A Chávena de Humanidade


O Cháismo é um culto baseado na adoração do que é belo entre os factos sórdidos da existência diária. (...) É uma tentativa terna de atingir algo possível nesta coisa impossível a que chamamos vida.

El teísmo es un culto basado en la adoración de lo que es bello entre los hechos sórdidos de la existencia diaria. (...) Es un intento tierno de alcanzar algo posible en esta cosa imposible a la que llamamos vida.

Kakuzo Okakura

sábado, 30 de novembro de 2013

The end

Tudo o que começa, termina.
Há coisas urgentes, e falta o tempo para elas.
A poesia é uma, mas talvez doutra maneira.
Talvez nunca mais; talvez amanhã.
Talvez o agora morra para sempre
e renasça noutro lar.




quarta-feira, 27 de novembro de 2013

quando me dizes

quando me dizes "mulher"
há tempo que afastaste de mim o
ser amante

quando me dizes "preto"
há tempo que o teu coração
é baço

quando me dizes "carne"
há tempo que o meu coração
não bate

quando me dizes "peixe"
há tempo que esqueces que o meu corpo
também sente

domingo, 17 de novembro de 2013

viajamos

viajamos al punto exacto de retorno
lo que ha de ser nos encara y asumimos que
todo y nada es una misma cosa
no un río o una montaña
sino un ojo que no distingue
el agua de la tierra
excepto para atravesarlas
cada una en su textura y grado

viajamos desde donde aún no hemos sido
atravesamos la luz como el tráfico
como si nada hubiera sido
exhaustos nos levantamos descansados
leves con el peso del trabajo terminado
a nuestra medida y sin recuerdos

regresamos cada noche al otro lado de la cinta
paseando nuestros ojos cerrados
ensoñando lo que puede y debe
repitiendo una y mil veces una palabra franca
pero dura y cortante como la paz o el cielo

nos sentamos sobre la verdad que hemos ocultado
porque su calor nos agarra al futuro que viene
y así seguimos la senda del guerrero
entre los dientes un cuchillo, flor en mano
bastón entre los dedos callosos pero blancos

nos alejamos de lo que no será de nuevo
hemos repuesto las piedras del camino
no hay rastro en nuestras manos del dolor
mientras callamos secretamente la alegría
de ver salir el sol y cabalgar despiertos
sobre el lomo blanco del dragón

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

ruas

rica em lábios como a branca de pedra
corro pela cidade com as vestes levantadas

não me contes que foste à praia
o nosso plano era a montanha
e as árvores estão frias

corro pela cidade enlouquecida
as cores que uso escondem a vontade
de ficar sentada às tardes

é tudo tão simples e tão difícil
mergulho nas pedras da calçada
nas montras onde creio ver-te

sussurro palavras fechadas como pétalas à noite
ninguém entende o linguajar do pólen descansado
a não ser nós - estratosféricos

corro pelas ruas - insisto em bater os pés descalços
sorrio às pessoas que não entendem o meu passo
acham que dança é repetição; não concordo

sigo em frente sem parar e não estás
rio, conto-me esta história como sempre
invento a tua nuca os teus pés

os meus olhos não precisam da presença
as ruas foram sempre, comigo, acolhedoras
e os espelhos amigos generosos


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

deixar

atrever-se a ficar
como o mel entre os dedos

ficar no campo de batalha
e de riso em riste

ouvindo cada inseto
sentindo cada cheiro

atrever-se a ficar
entre os corpos sedentos

e não beber nem amamentar
almas desdentadas pelo ódio

ficar nu perante os olhos olbíquos
que não atingem a verdade

deixar os outros ficarem com o corpo
a ossada com que se diverte o senhor obscuro

que habita todo o corpo que o engorda
inclusivamente o teu quando o alimentas

deixar os outros dançar com a casca
como se nada fosse, mesmo nada

deixar os outros acreditar que é verdade
que estão mesmo a brincar contigo

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

matemática

fecha-se o círculo
que nunca esteve aberto
a mudança é a noção de phi
os pontos são os mesmos mas
habitados pela consciência espiral

enquanto nós, pobres coitados,
achamo-nos pontos
perdidos à procura de um eixo onde engajar
e formar uma recta que seja
alinhar numa função de crescimento >0<
ou então uma parábola
uma infinita procura do regresso:
ai, se o infinito fosse curvo
ai, se o tempo se dobrasse
para regressar ao ponto onde o desastre começou
ai, se a mentira fosse verdade

mas nós, pobres coitados,
achamo-nos pontos de valor = 1
enquanto somos vectores
cortes entre planos
e x e y são apenas referências
assim como não somos os nossos nomes
que foram esquecidos e suplantados
por coordenadas que confundem o plano:
ai, se a matemática não fosse perfeita
ai, se nós não fôssemos tão esquecidos

terça-feira, 29 de outubro de 2013

no finjas tener tiempo

blandamos la guirnalda del adiós
sobre tu cuello: no te deseo nada
seas quien seas, mueras quien mueras,
excepto la libertad y la andaina

busca dentro de tus ojos pero
no olvides tus dedos
no decepciones a tus pies
ni tampoco camines menos
de lo que tus piernas puedan

bebe lo que te sirvan
come lo que te alimente
rechaza el plato sucio de los que mienten
sigue vivo en los pies del bosque, mátate
y resucita el mismo día de tu muerte

rétate a enfrentarte a tus condenas
no muestres tu tesoro a los piratas
no digas que no hay quien te alimente


y sobre todo
no finjas tener tiempo para perderte

sábado, 26 de outubro de 2013

ovejas negras

no empujar la puerta de las preguntas
cada paso cotidiano esconde una incógnita
disfrazada de pan blanco o café

no olvidar que detrás de cada mentira
respira una ecuación perfecta y rotunda
como un sol naciente y poblado

hoy trabajo porque soy libre
hoy me niego a seguir al otro rebaño
sólo porque no sigan al pastor
más bruto más alto

unos y otros caminan en distintos sentidos
y sin saberlo, en la misma dirección escondida
urden la tela del ensueño
que desemboca en el triste patio del vacío

hoy saltamos sobre la cuenta atrás
como si el futuro nos quemara las plantas de los pies
y nadie ni nada detiene esta máquina del tiempo
estos relojes trucados, este destino cierto

algunos eligen ser ovejas negras
y por el camino olvidan que también ellas
pueden formar rebaños
y ser amigas de los centinelas

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

cometa

sí, las aladas horas en las que tu vuelo se ha hecho vida. cada rostro antiguo nos cuenta lo que no sabemos; hemos olvidado buscar recuerdos entre el pelaje del lobo: mis dedos suenan como un reloj suizo a la hora del cuento y no tengo cómo ser más profunda sin hundirme en el mar de las preguntas. hablamos el mismo idioma sin lengua, sin signos, sin vocales; en él descansamos palabras como domingo o sudor. pero sobre todo no tenemos dónde caernos vivas de tanto mirar al frente. empujo hacia el epicentro mientras subes el tronco de Alicia, directa al espejo que has creado de ti, el zumo vivo de tus noches escondidas buscando la fuente. te suelto, te dejo, como a un ave que fue cometa.

sábado, 19 de outubro de 2013

amizade

sabemos como percorrer silêncios:
a amizade é uma coisa antiga e calada
habitada por olhares longínquos
de minhocas e de pássaros migrantes

a cada pouco nos entram pela porta
as lembranças e os risos guardados
em caixinhas de lata antigas
impõe-se o calor da sobremesa
as intenções nuas e mornas como o chá

a vida está em dia, posta a mesa
para as mãos vazias com que levemente
nos tocamos os ombros, os braços
há viagens, paragens, casas e quedas à espera
há a lareira nos olhos, há a porta meio aberta



terça-feira, 15 de outubro de 2013

azul

clara como las nubes
azul como lo que no quieres
no buscas
no sabes que existe
no te sostengo entre mis brazos porque
a qué conjugar verbos efímeros
pudiendo sonreír con tus recuerdos
vertidos en mis sueños como en un contáiner
porque soy casa amiga y quieta

a qué levantar sábanas o reír
en tus dientes
o recordar gestos o palabras que no tienen dónde
caerse muertos

tú cantas cada mañana
cantas como lo que no sabes
como lo que no tienes o quieres
por eso tu voz es clara y escondida
y viene como de una esquina antigua
en una casa abandonada
donde juegan aún los espíritus de los niños que
ya no somos
y duermen en ajadas camas
los sueños que ya no tenemos

tú cantas cada mañana
nítido, fuerte,
desde el corazón de tu jaula

domingo, 6 de outubro de 2013

el suelo

a cada rostro los días se nos adivinan entre las líneas
escondidas entre ojo y ojo
me vuelvo y me miras
lo sé pero somos lejos

aquí, toda palabra es un señuelo
no tengo tiempo para pájaros
mis días son repletos como bolsillos
de un niño a la hora del recreo

tú sobrevuelas feliz sin rumbo
tu hábitat de nubes de ceniza
tu circular pedazo de cielo

yo vivo aquí, abajo, felizmente lenta
blanca y desnuda asisto al invierno
como la lombriz, callo y sigo preparando el suelo

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

círculos concêntricos

levantar-se é acender as velas da esperança

por cada cabeça que roda há sete que acordam como dragões antigos

nós somos golfinhos a cantar pelos mares do mundo uma música antiga e nebulosa

os tempos não enganam:
somos filhos do desígnio aberto das águas
fluimos em direção ao epicentro do amor sem reservas

as gargantas ecoam numa frequência que acorda os instintos leves
e nós, outrora carnívoros corpos armados em árvore
acordamos para o que estávamos à espera de lembrar
abrimos os olhos para o dejà vu que inventamos a cada segundo
e sonhamos sonhos lúcidos como tochas na caverna
e cantamos em frequências impossíveis que reduzem ao nada
o calor infernal da distância onde embalamos a cegueira
que alimenta os círculos concêntricos da fome e a guerra




nacos

a noite não sabe a noite. caminho pelas costas das linhas porque o longe hoje é uma utopia. pergunto-me onde estás. em casa, sim, mas onde estás. em ti? em mim? talvez na casa das palavras brancas, agora que elas se empilham para nos receber um outro dia cheio de sol e laranjas. empilho palavras como lenha para a lareira. o inverno chega e a estrada está cortada. sabemos como esperar. o silêncio é sagrado, mas cúmplice em presença. na ausência, o silêncio é como o gelo onde uma mãe ursa procura o filhote caído. corta as mãos, afronta, serve o coração em nacos.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

qué pena que tus ojos

hoje lembrei-me que tenho um sonho
passa um mocho calado
passa uma música de lenço branco

qué pena que tus ojos
qué pena que tus manos

hoje lembrei-me que está inverno
cada folha desafia o solo
cada fruto tem seu tempo

qué pena que tus ojos
qué pena que tus dedos

hoje lembrei-me que está noite
faz quase lento
faz quase aguado

qué pena que tus ojos
qué pena que tus labios

hoje lembrei-me que sou de prata
somos pouco sem moeda
somos nada sem trocados

qué pena que tus ojos
qué pena que tus pasos

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

transparente

amanheço quieta, silenciosa como uma cobra inofensiva. sem dentes, cilíndrica e mole. escorregadia como os sonhos ao acordar. transparente ao olho do dia. o único som é o crepitar do sol por trás da montanha; respiro. não: és tu quem respira. não saberia dizer. são tantos poros. acordo à música dos ossos e as correntes que te habitam. é verão, a luz ainda não enfureceu. há um canto onde posso ficar morna, acolhida como cão vadio ou peregrina, no teu encosto. no teu encalço adormecido, no do teu sonho, no dos lábios fechados, no das narinas que levemente lembram que estás vivo.

acácia

pensaste na espera
como um brilho no olho
de quem descobre a carta que falta ao jogo

não na esperança estripada
de quem espera sem saber
por quê
por quem
por quando

pensaste que o guizo dos meus dentes
era perene como as folhas das acácias

pensaste bem
esqueceste pensar a latitude e longitude
dos meus ramos

pensaste nos tempos em que as folhas
cresciam sem medida
esqueceste regar as raízes em silêncio

pensaste na cortiça mole e perfumada
como os lençóis secos ao sol
esqueceste o regador das noites mornas

pensaste nas flores que precedem os frutos
cortaste-as para as levar num vaso
para uma mesa grande
de uma casa grande
com janelas grandes
perto de um mar grande

foi assim que
perto de um mar grande
numa mesa grande
de uma casa grande
com janelas grandes

os frutos não aconteceram

húmus II

o teu torso de pão. os teus braços. a noite. as horas em que te sigo os passos do coração brando. o jeito mole em que respiras. a quietude pelas horas caladas. a casca onde assentam as palavras que nos esperam. o sonho de regressar ao pão da manhã. os olhos quase fechados por onde escoam os desejos. o quase adormecer da escrita nos dedos entrelaçados. o já, o acordar no embalo de um cheiro próximo ao húmus.

Carta a um poeta


Sabes, poeta,

Por vezes eu fico a pensar e ocorrem-me as palavras gastas pela rua. Algumas vezes fico muito triste: vejo nelas os rasgões que outrora lhes fizemos, vejo as palavras mapeadas de cicatrizes, e as minhas mãos tremem como as de um carrasco arrependido.

Sabes, poeta, acordo de manhã e acontece uma palavra como "casa" ou "quarto", ou "rua", e todas elas falam de nós. Acontece a palavra "voo" e ela fala de nós. Acontece a palavra "silêncio", e ela fala de nós.

Mas sabes, poeta, cada vez mais fico a pensar nas palavras por gastar. Fico a pensar que "Sena" será para nós uma palavra cheia, como as telas de Redon. Fico a pensar em "voo" e oiço o som das nossas asas a bater antes de o sol sair. Fico a pensar que houve um dia de palavras onde os corpos nem eram chamados a existir, e foi leve. Um dia em que fazia sol, ou chuva, ou sonhos ensolarados numa casa térrea.

Sabes, poeta, a vida é um ciclo de morte e renascença, e é imprescindível lavar as palavras no rio antes de regurgitar o verbo da génese de novo. Não que queira voltar aos dias passados, às palavras escondidas nas pedras da calçada. Ou seguir trilhos mascados, nada disso. Antes quero regressar ao cheiro dos livros na varanda. Sentir que posso sentar ao teu lado, poeta, e abrir um livro numa página qualquer, e ler para ti em voz alta, e sentirmos, falarmos.

Sabes, poeta, eu já não tenho varanda, tenho só uma marquise redonda e tenho sonhos que, como ela, circulares, aspiram a construir qualquer coisa parecida com a perfeição.

Sabes, poeta, eu já não tenho varanda, mas tenho olhos para olhar para o horizonte.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

goles

A noite é a queda. Hoje caem faíscas sobre o céu da minha casa. É a montanha acesa, e o coração. Hoje é amanhã, onde a beleza que as tuas mãos idealizam há de me tomar o rosto branco. Amanhã é uma parede e a tua presença longínqua. Amanhã o dia voa em cores pelas veias da luz, e eu serei uma casa onde os hóspedes te bebem a pequenos goles, como um chá antigo e exótico, amassado pelas minhas mãos antes da água.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

tomar tu mano

"Compañera
usted sabe
puede contar conmigo
no hasta dos
o hasta diez
sino contar conmigo"

Hagamos un Trato, Mario Benedetti


Hoy quiero tomar tu mano.

Mírala bien: me refiero a tu mano.

No me refiero a seguir tu fuerza directriz,
sino a tomar tu mano.

No me refiero a tener cintura breve o ser tu premio,
sino a tomar tu mano.

No me refiero a llevarla a mis caderas o a mi pecho,
sino a tomar tu mano.

No me refiero a que las damas somos primero,
sino a tomar tu mano.

No me refiero a adornarte las palabras y los hechos,
sino a tomar tu mano.

No me refiero a que me levantes si tropiezo,
sino a tomar tu mano.

No me refiero a recoger limosna, a sopesar tu dinero,
sino a tomar tu mano.

No me refiero a regalarte una pluma para que escribas "te quiero",
sino a tomar tu mano.

No me refiero a que me firmes un libro o me dediques un texto,
sino a tomar tu mano.

No me refiero a que pruebes mi cocina y digas que está bueno,
sino a tomar tu mano.

No me refiero a esperarte sentada mientras sucede el invierno,
sino a tomar tu mano.

Tomar tu mano
y sentir en ella la frecuencia que vibra en tu aliento.

quando era

quando eu era o vento. aquele dia. aquelas folhas em bronze entre os olhos que se escondiam. quando eu era o vento, e zunia os silêncios. e pela boca me saíam borbulhas de tempo onde passeávamos, como porquinhos-da-índia em rodas ilusórias. quando eu era o vento, e as borbulhas espocavam, e nunca mais havia passeio de sabão.

domingo, 15 de setembro de 2013

elementos

confío en los elementos.
cada columna es una propuesta de derrumbe.
no insisto; es inútil fingir que no hay suelo.
no lucho; es inútil fingir que se vence.

hace sol o sombra, lluvia o seco:
porto un cuerpo, unas manos, ningún deseo.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

goiamum

alma-dia. amanheço à procura do pão para hoje. salto em altura sobre o rio, sou das águas calmas a mãe segura de seios grandes e quadris-alicerce. da praia ao sertão e de regresso mimetizada no mangue. sou uma térmite do dia-a-dia, casa no ar e pés no chão, grão e fruta para o inverno. sou um goiamum: buraco onde me guardo que protege o mundo dos meus tenazes. há a bicharia que me faz lembrar que a terra é boa porque nos aconchega. há o húmus, a minha fé. há a praia ao pé de nós, um mar que lambe os pés da terra que nos dá de comer.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

aquática IV

Viajo. Sou uma molécula de plâncton a alimentar as veias da estrada. Acumulo verbos, palavras carentes como bairro-de-lata. Frentes de coração, dintéis armados em fitas de cores bravas. Conto e reconto. Luto. Quando a estrada me leva, dou em almadia. Não contorno os ventos: deixo. Vivo. Consigo. Desconsigo. Nasço.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

aquática III

Sou aquática. Sei como nadares-me. Também o mar é bravo, às vezes. Mas eu surfo-me nas ondas da emoção. Assumo o comando da verdade nua. Batem as águas com o sol. Entre as profundezas frescas e o céu se levanta um templo de beleza. É o olho do furacão e a calma do recife. É o compasso da espera, a cadeira de baloiço na varanda, a noite, os jardins ocultos que esperam passos para ver o fulvo acontecer.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

aquática II

atravesso-me, antes como rio. como rio nasço à verdade de esperar por uma margem aonde me desças. aonde embarques numa almadia que reconduza as águas perdidas. e nela descobrir correntes novas. profundas. carregadas de palavras e plâncton. como rio surjo do quase-nada branco de uma rocha ou uma gota de chuva até crescer em pedras e plantas aquáticas que se elevam para a tua embarcação,  protegendo-te de jacarés e quedas.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

aquática

paira o véu do sono na cabeceira cama. que tem marcas, nuvens azuis onde os teus sonhos ficaram presos como nas teias dos índios americanos. é agosto; é noite. tomamos a direção do músculo fulcral ou a do trilho torto. há quem escolha a dor mas nada me detém perante os meus braços porque sei onde me nascem as raízes, aquáticas, do nós. nada tem tanta força como o silêncio; nada tem tanta paciência como o inverno.

escolher

saltar em altura sobre as águas do amor. decidir. escolher o vácuo, o sempre em frente. o tempo. a música. a dança. as almas vivem vidas próprias, mas habitam corpos. há as distâncias, os mares, os rios, as montanhas. a comida. os tempos do sono, as praias. as montanhas, de novo, há tantas. há o kilimandjaro, por exemplo. a encosta onde deslizei uma noite, brilho turquesa ou esmeralda, as águas primígenas, mãe que me brune braços e vontades. as da força, não as do desejo. há caminho por fazer. penso: caminho parece com carinho. por vezes guardo as pedras que me fazem lembrar paisagens. por vezes deito-as fora, e sigo. sempre em frente, ao caminho. ao carinho.

varanda II

Volto à varanda. No rodapé habitam escondidas palavras que partilhamos um dia. Palavras que talvez fiquem a morrer aqui, lembradas dos lábios que as proferiram e não são mais. Talvez palavras que caíram das folhas que manuseávamos como agora cai a noite húmida sobre a erva lá fora. A última noite, que anuncia um tempo novo. Oiço os grilos, as rãs. O verão esplêndido vai-se em dias e fogo. Enquanto isso, passa uma locomotiva que aperta o passo para levantar o tempo que nos afastou. Ao longe, o choro de uma criança, o latido de um cão. Gosto de pensar que sabem de nós. Ou então: do vazio. Os animais entendem de passados. Aqui, nesta varanda, nós fomos nós. Aqui a tarde era morna e lembrava vozes e músicas. Aqui conjugámos um dia verbos em presente, e advérbios sem tempo como 'agora' ou 'enquanto'. Sei que as músicas nunca mais vão tocar assim. As músicas são como as uvas, devem ser colhidas quando a estação acaba. Como o outono, o longe está para chegar. Como o dia, está tudo por nascer, por compreender. Como a noite de hoje na varanda, sei que este é o último poema.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

recomeçar

vale recomeçar. vale voltar as velas para o oriente e rumar para ocidente. nada nos detém a não ser o nosso coração sem compasso. uma estrela espera por cada coração que bate, e cada caminho é uma orquestra a tentar afinar os instrumentos do além nas correntes do rio que transita. olhamos para os outros na esperança de neles encontrar o melhor de nós; o espelho devolve-nos cada grama de miséria e cada grama de alegria. a nós cabe peneirar. gerir o amanhã depois da decepção. consumir a confiança alheia torna-nos uma bóia ao sabor de marés e trovoadas. mas é preciso viver assim, com o coração a sentir o risco do vento, o balançar das vontades feitas água. é preciso saber esperar sempre o melhor, falar alto e claro, seguir sempre em frente, construir o sonho, arriscar a verdade, agradecer as tempestades que nos forjam o espírito.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

escolhi

Eu escolhi. Escolhi amar entre as pedras, amar a caminho do rio. Amar sem corpos, sem ideias, sem i-deuses. Amar no meio das ervas secas. Escolhi regar desertos, plantar laranjas na savana. Subir a montanha plenamente ciente do peso do corpo e a fraqueza das mãos. Escolhi a montanha e o deserto, e o mar bravo. Escolhi semear, escolhi deixar o rio e atravessar o oceano.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

la noche

la noche
la blanca y mortecina niebla donde se incuban las piedras
a la hora de la roca hecha piel y venas

la noche
la hora en que las sílabas no cuentan
cuando somos dos cuerpos que dialogan callados a lo lejos
entre los grillos y las capas de deshielo

la noche
el regalo del silencio y la imagen
de un sintagma planeando tu nuca
tus dedos tu conciencia

la noche
y su gran ejército de dudas, su habla leve, viscosa, zurda,
sus codos ariscos envueltos en pena

la noche
que no llega y no nos deja
que nos grita de cerca en el cóncavo espacio donde guardamos
la pocas memorias que nos quedan

la noche y todos sus racimos de verdad
la espera de lobos y tortugas
los ojos abiertos como lunas nuevas




quarta-feira, 14 de agosto de 2013

quando era


quando eu era o vento. aquele dia. aquelas folhas em bronze entre os olhos que se escondiam. quando eu era o vento, e zunia os silêncios. e pela boca me saíam borbulhas de tempo onde passeávamos, como porquinhos-da-índia em rodas ilusórias. quando eu era o vento, e as borbulhas espocavam, e nunca mais havia passeio de sabão.

quando tu tomavas as noites como tobogã e nós ríamos porque a madrugada não demorava e o dia não nos esperava. quando havia palavras como amanhã que soavam a junto. quando tínhamos pernas confusas, mãos que equivocavam carícias em palavras e notas musicais. quando não eram precisos bilhetes porque as línguas estavam sempre prontas e adeus não era uma palavra plausível. 

quando eu era as noites com brisa e não acordávamos e os corpos não sabiam onde andavam. quando tu eras nuvem e guardavas a água para o verão porque nada havia senão luz e areia entre nós. quando todas as noites, sem descanso, dormíamos porque não havia nada a fazer senão encontrar-nos no sonho e passear versos entre as cores de Redon.

quando o algarve eram férias e as passas natal. quando tomávamos banho de verbo porque assim caíam mais claras as gotas do orvalho no atributo das nossas cópulas dormidas. quando éramos, e havia uma segunda para cavar, um domingo para colher.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

o teu lugar

entendo o teu lugar, acredita. eu entendo. brancas velas sobre o futuro. não temo o que há-de vir mas sim o que me leva dentro. claro como o céu brilha em mim um sol que produz as mais leves ondas onde embalar mãos cheias. longe mas em mim cresce um poço branco que pugna por sair e por vezes expulsa a lama que o mantinha entupido. procuro o leme que mantenha as águas limpas. sei que a lama inundou a mina noutro tempo por isso mergulho. vivo dentro da água, a vigiar os pontos fracos por onde os detritos escoam. para os manter afastados do espírito elementar onde adormece cada noite a sereia que levo dentro. entendo o teu lugar, acredita, eu entendo. e canto e cada nota é uma vontade de vencer pela beleza a aura breve em que os trovões se instalavam noutro tempo. entendo o teu lugar, acredita, eu entendo e luto sem trégua não por ti mas por mim. pelo que a mim me devo para saber ser o máximo expoente da potência aristotélica. porque só assim tu podes ganhar paz de alma e confiança. luto porque perdi o ser num buraco negro por instantes que se tornaram séculos na memória e navego assim entre duas trovoadas: a culpa e a luz. e no meio delas entendo o teu lugar, acredita, eu entendo.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Dias

Há dias em que poderíamos amar qualquer um. Um caracol que aparecesse na janela, uma pedra da praia, uma erva seca, um grilo mudo.

Há dias em que fosse alguém trazer-nos um livro e ficávamos a olhar como se fosse a anunciação ou o portador do nosso obituário.

Há dias em que tudo serve para deitar o corpo ao orvalho, às margens da sombra.

Há dias de lusco-fusco e velas de barco em vento fraco, à contra-mão do orgulho de ontem.

Há dias de magoar pessoas e não saber mais como procurar a praia.

Há dias em que os sais se tornam maquilhagem das feridas mas mesmo assim tomamos banho no mar e é bom.

Há dias em que há quatro sóis e dois satélites ao dispor dos nossos olhos, mas nós ficamos a olhar para a lua porque é tão redonda e escondida.


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

a cor dos frutos

é o calor pela fímbria do peito. a mornura silenciosa. os corpos quietos de quem não precisa. ao longe continuam as casas, os rios, as paredes. entre nós há uma falésia breve mas milagrosamente alta que só o teu passo ágil pode ultrapassar. continuo deitada sobre as verdes idades em que nos encontramos. somos da mesma estrela. ou estação. a cor dos frutos que comemos nos iguala onde não se vê, por dentro dos corpos fracos. estico a mão e sei que o teu corpo está aí,

do outro lado dos oceanos.

sábado, 3 de agosto de 2013

Amar um homem

Amar um homem que chora
Que sabe que há fraquezas que nos tornam barcos estilhaçados nos rochedos do outrem
Um homem que bebe sal sentado a uma mesa pequena
De um café pequeno
De uma vila pequena

Um homem que por vezes deixa passar um comboio
Enquanto olha para os seus pés magoados
Amar um homem que sabe que há sofrimento gratuito no mundo
E que por vezes somos nós quem descerramos o punho calado sobre o outro
Porque olhamos para um pé e perdemos o sentido da mão e os olhos
E o coração abafado

Amar um homem que às vezes cala
Quando a rua pede um grito ou uma palavra de quem é viv'alma
Que mergulha no silêncio e a cada borbulha desmente o calor de ontem

Amar um homem que sabe usar as mãos para a beleza 

Embora por vezes desça ao inferno da quietude gélida

Amar um homem que fala por dentro como falam as paredes
Aos fantasmas e às viúvas

Amar um homem que ouve a campainha tocar mas dorme
Virado para um mar que acaba em mim

Mas não me chega por não ser mão dele que os barcos
Aportam ao peirau da minha cama

Amar um homem ao longe
Atravessados de água e falta de tacto
Um homem que contém
Sob as pedras do caráter uma ilha do tesouro
Com cores, pedras e um pirata que a guarda

E mesmo assim amar um homem
À hora do almoço e de madrugada

sexta-feira, 26 de julho de 2013

lo que aflige a quasimodo

lo que aflige a quasimodo
no es la joroba
sino lo fácil que es encontrarlo cuando llueve

lo que aflige a quasimodo es
lo fácil que es rechazarlo
sin gesto    sin mirada
en la esquina más recóndita del pecho
donde no nos contamos quiénes somos
para no sabernos lisiados

lo que aflige a quasimodo es
ese hábito callado de
mirarnos desde arriba
alegrarnos de no ser él
sentirnos incluso
discretamente superiores
en los casos más extremos rayar
un esbozo de sonrisa que cortamos
y enseguida recordar
el tiempo tan malo que hace
y odiarlo un poquito en su desgracia
que nos queda lejos (creemos)
todo ello
sin que nadie lo sepa
(excepto él
que siempre lo sabrá)

lo que aflige a quasimodo
aunque se calle y se esconda
es que siempre nos servirá
en los días de lluvia
siempre asomará entre nuestras palabras
huesudas
y nuestros silencios cobardes

lo que aflige a quasimodo es
que sea tan útil tener un quasimodo
que nos ayude a olvidar
un ratito
nuestro esguince de alma

quinta-feira, 25 de julho de 2013

la ropa de mañana

es de noche
los dedos y el agua resbalan
por la frente
frente al espejo

la piel es fina como siempre
pero hoy es transparente como nunca

hoy siento
liso al tacto
el hueso bajo ella

las manchas de la piel
los diplomas del sol.
de los años. de los niños.

deslizo los dedos

dos agujeros
perfectamente situados para hacerme creer
que hay un dentro y un fuera
un yo y un tú

hoy la carne se une al hueso
pero ya no tanto como ayer

cierro el grifo

miro al suelo
de donde proviene la fuerza
que nos somete a la ilusión
del arriba y el abajo.

me seco las manos.

hay que preparar la ropa de mañana.



quinta-feira, 18 de julho de 2013

ventana

cada ventana es una puerta abierta a lo que seremos.

no te cuelgues en el alféizar, ni te alejes de la brisa que entra.

mirar y no mirar es esconderse de lo nuevo:

cierra los ojos a lo que sabes,

tiembla los labios a lo que sientes.


hay un aire que te canta cosas que aún no son.

duerme. duerme.
acuna las verdades que crecen en tus alas.

sube, baja, juega, anda.

pero ante todo
aún cuando duermes
mantén tu dedo
aunque sea el meñique
en la ventana

domingo, 14 de julho de 2013

parábola

deixa eu calcular a curva do teu tempo
caminhas como criança numa vara verde
deslizas para o chão na ponta de uma erva que não há

não somos nada para além do silêncio

traduzir em palavras o que não
num lugar em borbulhas
onde o tempo é tão só a profundidade
e os comboios da verdade se cruzam desenhando
um mapa do impossível

para terminar numa parábola
para quê procurar asa
quando o vazio é o chão perfeito para os sonhos

sexta-feira, 12 de julho de 2013

gerânios

vestes-te de cores que não há
julgo-te entre as roupas mas nadas ainda
além da fronteira que nos aproxima
nada sabes do baú onde as cores desabrocham em palavras

as minhas mãos espreitam o tacto da beleza
procuro entre os bastidores de um tempo com volume
pétalas que semeiam palavras

por vezes corto o ar porque é isso que trouxe para este mundo
o que hei de fazer se me habita um samurai

oiço a voz que convoca uma data
o teu riso distraído não deu pela iminência do encontro
sei que não tens intenções
por isso calo e espero sem projetos
um dia vamos conversar e tudo se tornará um oceano fraco

no fundo, a água é condutora
e nós somos criadores de fragrâncias
há um perfume que espera pelo tempo das palavras
há um poema que calado espera pelo tempo dos gerânios

terça-feira, 2 de julho de 2013

e é tudo

sentar quando é preciso. ter as ondas como saia ou vento quando o sol esconde a estrada.

calar sentado, ouvir, ouvir, ouvir não é esperar. espera é imagem que procura espelho. o silêncio não acolhe vidros por onde olhar para grelhas ou esquemas.

flores que se procuram, não. nem nascem. não calam, é sem voz. são a cada pouco.

casas brancas. sol.

sentar quando é preciso. virar a cabeça. ferrugem nas pedras, que beleza.

 e é tudo.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

uma dança

é uma dança:

rodeio-te porque a montanha deve ser subida aos poucos

su ya

Lo que me enamoró de ella fue su manera
de mover las manos
sin moverlas.

de hablar callando

de sentarse como
si fuera una nube amerizando

de dejar crecer el pelo
sin pedirle prisas
y cortarlo, manejarlo por manos de otros

lo que me enamoró de ella fue
el amor a la tijera que nos deja libres

su rostro quieto al hablar
su falta de intenciones
su ya

sábado, 22 de junho de 2013

tallo arriba

tallo arriba me deslizo entre lo que ha de venir

no paso de lado a lado, vivo en el salto

todo lo que crece enreda, trenza, teje
cada palabra es una araña que cose la tela del aliento
el hilo del verbo y la mirada nos unen al otro
nos enajenan del gesto superfluo

cavo un agujero en nuestro sueño
entro por las ramas hasta el centro de lo que ya hemos sido
la semilla es un millón de verdades
la hoja y la flor lo son

la memoria selecciona lo que somos

tengo en cuenta
lo amado
lo bello
lo aprendido

reverte

reverte. sente entre as tuas mãos o que não houve. toca os instrumentos da voz escondida. não procures, apenas encontra o que o clima te ofereça. junho adiantou um inverno e tu estavas com a cabeça em março. por isso: corre, veste as roupas da mulher antiga. corre atrás dos coelhos e as crianças. a todos eles deves agradecer o sono profundo que dormes cada noite. dá um passo atrás do outro, cada pé a seu tempo, cada lua a seu vento.

terça-feira, 11 de junho de 2013

francos

voávamos
na forma de fumo de lumes antigos
e entradeceres por chegar

quanto nos recusamos para hoje ter tanto para dar
para ouvir

somos a sombra alegre de um quase
uma letra por desenhar
o primeiro traço de um pictograma
que abre todas as possiblidades do espaço

somos o hexagrama do balde
o vazio que espera
apenas dá forma ao que chega
quatro mãos que desenham um aconchego
de palavras adiadas

atravessávamos o mar na altura certa
mas depois comíamos algas
como animais marinhos nos procurávamos nas profundezas
do outro

foi aí que esquecemos que o sol ficava longe
foi aí que nos tornámos lulas
foi aí que a nossa língua tentacular e mole
se desfez em distâncias e silêncios
borbulhas que subiam em direção à luz
que não enxergávamos

mergulhar é que nos fez fortes
encheu-nos os pulmões da verdade por onde transitamos hoje
e assim na distância somos próximos como irmãos
disponíveis como amantes
francos como a língua que falamos

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Tratado da indiferença II

II


queria a penugem da mãe mas
não sei pensar
só sei sentir
frio


queria chamar mas
há um corpo seco deitado no chão
não sei pensar
só sei sentir
frio


sábado, 1 de junho de 2013

Tratado da Indiferença I



O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença.

Érico Veríssimo




O que me assusta não são as ações e os gritos das pessoas más, mas a indiferênça e o silêncio das pessoas boas.

Martin Luther King

I

arrastam-nos
como águas dos rios mas este feito em gritos
é tanto corpo sobre corpo
como quando nascíamos
mas agora há frio
e não sinto o cheiro da mãe
cadê os mamilos, o leite

este rio quente é o meu sangue
afogo
cadê a mãe

este homem calado que me olha
porta uma coisa brilhante
cadê a mãe

segunda-feira, 27 de maio de 2013

praça forte

praça forte. elos que se nos prendem aos pés com que caminhamos como acorrentados. serve-nos o baton ou o mel, tudo, para acender os faróis do talvez e correr em direção ao novo precipício que inventamos para justificar a queda. não sentimos tanto como queríamos porque não entregamos tanto como poderíamos. é a sorte do caloiro que o leva ao saber, à virgindade essencial do pensamento, o momento antes do parto, o que nunca foi criado como verdade mas como fruto do acaso. é uma gravidez sem razão, um caminhar sem ser nunca nascido porque nascemos um pouco antes de chegar e vamos culpando o espaço e o tempo pelas nossas decisões. daí a praça forte, o calvário a que condenamos os outros, aos berros, aos murros ou calados dentro de nós, condenando ou absolvendo. que é o mesmo. assim nos defendemos, assim criamos os caminhos por onde os outros nos podem transitar ou não, assim voltamos uma e outra vez à mesma crença que sustenta o que pensamos ser. a identidade, essa crendice. a praça forte onde começar a dividir o mundo, as bandeiras, as línguas, a vida, a verdade, o espaço, o tempo, a casa, os nomes dos ventos. e é que a culpa, achamos, é sempre do nordês.

terça-feira, 21 de maio de 2013

onde

onde crescem as ligaduras que remedeiam o que não foi. onde habitam todos os sonhos, esse ninho onde dorme o que sabemos e está por descobrir. onde adormecem os cabelos das sereias que nos olham do futuro. onde conversam os golfinhos no seu idioma de sinos e calêndulas. onde nos sentamos a contemplar como o mundo é atravessado de vagas azuis e verdes. onde descansamos num banco de jardim submerso num mar que nos permite respirar caladamente ao ritmo do silêncio dos crustáceos. onde as nossas mãos se tocam e os sorrisos parecem olhares de namorados jovens. onde todos esquecemos o tesouro que trazemos guardado nas palmas das mãos enquanto batemos na vida a punho fechado. onde tu disseste que eu era uma pedra branca e eu me arremessei contra as tuas têmporas inadvertidas. onde tudo foi mas nada faz lembrar porque o verde calado em que mergulhamos quando há sal e luz nos embala o rosto e nem é preciso tocar a pele do outro para o sentir colado.

domingo, 19 de maio de 2013

hacha

rendirse. esparcir por el suelo del mercado todos los palos que arrojamos. incluso las piedras que hemos tirado contra nuestro tejado para justificar adioses y medias tintas. no me quedan piedras en el bolsillo más que para tallar un hacha que parta en dos las mentiras, las máscaras, las espaldas, y las dirija contra el fuego más calcinante. ni de las cenizas hemos de aprovechar más que para alimentar al mar. que la ceniza guarda el adn y la tierra hoy es confusa. he decidido parir despedidas. iniciar el funeral de mis palabras guardadas. porqué tener sueños cuando se puede tener vida. por qué tener sueños cuando podemos pisarlos y escuchar el grito del otro sin sentir su hielo, su miedo. el cuerpo de los otros es nuestro cuerpo, y nuestra música desafina porque una voz se calla u olvida o ignora o desprecia. porque una contralto quiere ser soprano. la peor forma de traición es la de no obedecer a nuestra naturaleza verdadera. lo único que el cielo no perdona es la soberbia. en ella acunamos a los demás para despertarlos después en medio de la noche, solos y oscuros como un túnel donde hemos olvidado no sólo las sandalias, sino también el camino.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Derrúmbate

Derrúmbate.

Sacrifica todos los ayeres.
Viájate hacia ninguna parte.
Juega con todos los huecos que has dejado. Sé un hueco.

Afloja los andamios donde escondiste coches o muñecas.
Nadie necesita el dolor.

Salta en los charcos mientras corres hacia dentro de cada minuto,
espiral abajo.
Huelga decir que no recuerdas adónde vas.
No sabes por dónde te diriges. 

Cada paso que hundes en la arena difusa del nadie
te conduce entre plumas,
entre alas agitadas, huellas blancas,
lácteos caminos que olvidaste.

No te dejes seducir por el mañana.
No te dejes arrastrar por el ayer.
Levanta la arena del tiempo y siéntela caer entre los dedos,
entre los dientes, entre las risas y los silbidos,
entre las ventanas que fuiste y las que quisiste.

Bájate del estrado de tu yo.
Júntate a las hierbas cuyos nombres ignoras.
Se está tan bien entre los bichos.

Entre verdes, olores y antenas.
Acuérdate de ser una piedra,
caliente cuando hace sol,
fría cuando nieva.

Acuérdate de ser una hoja,
y podrás descomponerte.

Acuérdate de ser lo que hay.
De sentir las gracias sin lenguaje,
de ver pasar el agua y los pasos
y saber estar, callar, esperar.

Acuérdate.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

vivas

brancas ou largas como coxas
exatas como matemática
experientes como estatística
graves como pena da dó - bemol
eternas como chamas do inferno
próximas como futuro
irrecuperáveis como ontem
mortas como petroglifos
sinuosas como meandros
difusas como nevoeiro em londres
fracas para missão como um quixote
largas como avenidas em maio
acolhedoras como sopa da avó
breves como soluço
semeadas como húmus em janeiro
decompostas como corpos em agosto

mas vivas como filhote amamentado

palavras

sábado, 11 de maio de 2013

borderline

decidir seguir viviendo
contra todos los diagnósticos
la inteligencia no es la salsa de los libros pero
no ser tonta no siempre es bueno

dejarse llevar
pero no si nos llevan los demonios
que bajo la cama alimentamos por años
escondidos de la gente, de las manos
que alegremente saludaban a la ventana

decidir seguir muriendo
a cada momento
decidir seguir sabiendo que no hay vuelta atrás
no hay remedio

la sombra de un viejo ciprés nos acompaña
y en él se mece la serpiente del saber
el ignorar, el olvidar, el conocer

no sé
pero no saber no es suficiente
no soy
pero no ser no es coherente
abro las puertas a las palabras
pero escapan como en noviembre
las hojas de arce


aún no ha vuelto el otoño
pero qué más da si olvidaremos cada hoja
cada rama que nos tapó el sol en agosto
y aún así, seguirá doliendo ese agujero interno

porque el vacío es nada y hace saltar los ojos
porque hoy ya es tarde para colar los lodos
porque no hay algodón para esa herida que sangra
porque no hay sangre para esa boca que mana

por eso la hora es adoquinar aceras nuevas
por eso no me mezco en memoria adulterada
por eso ni me duermo ni abrazo el drama

sexta-feira, 10 de maio de 2013

greve de nome

fracos, flancos vibrantes daqueles barcos onde nada
nem ninguém sobrevive ao frio
ao naufrágio do artefacto, o esqueleto
às ondas gélidas da despedida

declaro-me presa e eis que
aí nasce a minha liberdade
de saber quem sou mesmo entre grades

porque me afasto do fundo
flutuo nas velas ou no mastro
e levanto voo sobre a tempestade do eu

declaro-me em greve de nome
nem por sombras, nem por passos, nem por tábuas
haverá com que rubricar feitos ou passados

largar é a profissão do aprendiz
viajo a nado entre as vagas de perguntas sem resposta
sem olhos para olhar nos olhos
que me olham

sem mãos para devolver os tactos
com que os outros não me tocam

ausente de propósitos, alfândegas, milagres, virgens ou vontades

o vento era uma queixa mas mudei as velas
agora a brisa é o riso que nasce da verdade

quinta-feira, 9 de maio de 2013

o no

acércate por cualquier flanco
o no
tu camino no es necesariamente mío
ni todo lo contrario

no hablemos de lo que aún no hemos visto
no supongamos, no depongamos lo que nos espera
o no

podría olerte desde aquí
ese acecho tranquilo pero determinado
sabes que no hay tiempo
pero yo sé que hay todo el tiempo
y ninguno

subes adonde tus pies se interpongan
a mis ojos
porque nada es una mirada o un gesto
pero la presencia, esa
puede ser todo en un segundo

sé cómo bajar la guardia en el flanco fuerte
dejando la ventana abierta
al aire que se lleve lo que no sirve por antiguo
no guardo más cromos repetidos
sipi, nopi
te he visto en otros
o no
pero las puertas son sólo umbrales
y quien las cierra
no deja que entre aire

terça-feira, 7 de maio de 2013

put your lights off

esta vez el juego es no jugar

hacer caminos doblar esquinas
buscar recónditos huecos donde esconder las manos
o los ojos que ya me buscan

como el cazador al conejo
ya me hueles     no quisiera alejarme de mi silla
pero el tiro es distante y directo a un tiempo

eres joven y aún ignoras
que no seré carne de francotirador
déjame escapar escaleras arriba
ventana adentro
hasta lo más callado
el rincón donde casi anochezco
la cama blanca donde duermo

te lo advierto
no sepas de mis manos o mis sueños
o mis lenguas o mis juegos

te lo advierto
put your lights off
no entiendas, no enciendas
no desees, no quieras
no me mires, no me busques
no me tientes, no me escuches

redondezas

sacar o ritmo das mãos
há redondezas que nos pertencem como água ao sangue

não nos enganemos

quantas vezes viajamos pelas proximidades do sonho
sem abeirar ao porto das mãos próximas

não há como fugir ao escondido
não há como sobrevoar as evidências

corta-me as esquinas

quero fugir, o cerco é fraco mas constante
não queria deixar de me sentar à sombra do meu canto

mas o tempo é incerto e nada cresce pelo olhar
a não ser os medos e as fugidas

quero esse olhar longe, sei aonde leva esse caminho
sou falhada neste jogo e fujo, fujo, fujo
em direção ao horizonte
em direção à última esquina
onde guardar a caixa dos segredos
a lembrança dos presentes escondidos

segunda-feira, 6 de maio de 2013

semillas II

me siento. me quemo.
me trepo o me deshago, inquieta,
dormida en este tubo de ensayo

cuándo será la hora del parto
cuándo seré nacida a la verdad

somos todos esclavos?
déjame asomar los dedos al otro lado
déjame bañarme en un color que valga
la pena y la gloria de soñarlo

déjame gritar desde el silencio
desde el estómago
desde los intestinos más delgados
donde escondo los restos de todas mis batallas
perdidas
frente al yo, la mentira, el drama

no nos quejemos, seamos lúcidos ante la vida
es temprano y ya nos regalamos adjetivos como margaritas
como si no hubiera costado milenios construirlos

callémonos las flores que nacen solas
dónde están las semillas,
dónde olvidé esconderlas?
dónde recordé ahogarlas?

semillas I

rompo por entre la copa,
perforo el hueco que se nos fue por las ramas

nadie nos sigue, ni siquiera nosotros
nada nos espera, excepto los lunes

cada vez que me siento hay una huella que sobra
alargo las manos hacia las hojas y entre ellas
se abre el cielo al que volamos
un día

pero hoy
es laborable y mis trece horas
saben ya mantenerse lejos de lo que hubo o no
de lo que creímos ser cuando soñábamos despiertos

al menos nos pertenecen todavía los ángeles caídos
el alivio, las horas vivas, parir el tiempo para no decir adiós
parar el viento para no sentir la voz

resbalar por las aguas del silencio
las imágenes del hoy, los ojos, las sospechas
connotadas en naranja o verde
la secuencia eterna que entra de nuevo por la ventana

no me escuches, no es día de hablar de ti
sino de anunciar las aves, los grillos, los ruidos
que nos convocan al presente de soles y nubes
de polen y victorias simples
como las cuentas de un collar de piedras
como una pulsera de semillas


sexta-feira, 3 de maio de 2013

os passos das aranhas

beleza é um gato à contra-luz
o vento leve que traz o canto das rãs à noite
música de bicho é como pão para fome longa
sorrir dentro porque há um terraço com estrelas
nem precisar subir: saber que ele está lá

beleza é
soprar moléculas de hoje enquanto somos um piano
ou temos costelas de violoncelo como só bach sabia
deixarmo-nos humanos sob os lençóis ao domingo
lentamente fazer amor ao poema da nossa preferência
deitando-lhe os olhos como beijos
os dedos pelas linhas como um corpo vivo
que nos habita e se repete a si próprio na ternura
do som morno que precede o silêncio

ou então
acordar cedo e espreguiçar-se ao pé da montanha a esperar o sol
para nas horas mortas reviver o que ainda não
dormir ao relento e apanhar chuva de estrelas em junho
rir no estalo da crisálide a crescer
escutar atentamente os passos das aranhas
embalar os ventos contrários
calar os dias fracos
e crescer





quinta-feira, 2 de maio de 2013

alfarero

Da tua anca de água negra, das cavernas
soltas no dorso do abismo,
é que te escarvo, osso côncavo,
a fauce rilhando de te lancetar a carne inútil,
o gume da estralhaçada língua, o sibilante enigma,
a curva suspensa e a sombra eléctrica,
ó força, ó inominado!

Luís Carlos Patraquim


hablo desde el hueco de un cadáver
hablo desde el cóncavo hueso donde residí todo este tiempo
he volado en polvo, en tierra, en hojas secas

nada ni nadie me han visto salir de esta morada y sin embargo
he viajado a lo largo del tiempo y las verdades
he atravesado cinturones de oscuridad
para sentarme hoy aquí y poder levantar mis manos del suelo
embarradas como las de un alfarero que aspira a rey
de todas las nadas que habita a fuerza de creerlas

cada sueño falso me devora los dedos necesarios al pintar palabras
cada sueño verdadero que alimento se nutre de un futuro que ya fue

pesadamente me levanto en medio de un camino ciego
he vuelto a caer en el lago del pez dormido pero no importa
me levanto y sigo      no hay viento que perder
corro mientras nos azotan desde los cuatro tiempos
y grito sin voz que hoy es el día y las aguas no regresan esta noche

corro como el conejo que huye de cazadores ocultos en sonrisas
la brisa que atravieso despoja mis manos del polvo incrustado
en los poros después de tantos milenios sentada en esta noria

corro y me pierdo, camino y me encuentro
pero nunca lejos de donde nazco cada noche.
nunca es tarde, nunca es muerte, todos los días amanece.



after all



suddenly you came into my life
or then my life came into you
with all these new and old winds and voices
hardly heard you and your voice was home
didn't realize the time was wrong
old goddesses were playing their awful games with us
so we moved and spoke and laughed and touched
and shared our distances in the weak land of trust

but now it's late at night and i miss your smell
my hands pointlessly look for your hair
your chest doesn't breathe beside me anymore
it's silence only cut by the few cars passing by

every place you stood in this white bedroom
has its own meaning in my memories
some places are your powerful eyes
some others are your care and softness

after all i sleep in this bed sheets made of my sky
while you peacefully breathe far from my touch
and your odour softly flies away from my life

quarta-feira, 1 de maio de 2013

los huesos del ayer

Para o Luiz


deliciosos los huesos del ayer
se nos agarran a los dientes mientras amanece de nuevo
contamos porque corremos contra el tiempo y los demás

ayer
sabíamos dibujar perlas en un callejón oscuro

hoy
sabemos que todas las esquinas son iguales
pero los soles que las calientan son distintos

hoy
hemos desaprendido los gestos, las miradas
ya nadie descansa bajo el nido ajeno
nos hemos vuelto cínicos, huraños
nítidamente solos ante la inmensidad del otro y su misterio
convertido en amenaza de accidente, incendio, muerte

hoy
en la eterna risa vacía nos cegamos, nos negamos
a sentir en nuestra piel el llanto del que calla
porque no quiere o no sabe o no puede
porque la dignidad no depende del lenguaje
sino del corazón del que mira y (no) siente


domingo, 28 de abril de 2013

catorze

catorze anos não cabem num poema.
é preciso destrançar o cabelo que não existe mais.
desentupir as canalizações do coração para dar passo
a um sangue vermelho como os cravos de abril.

é de noite e penteio as estradas de montanha, os rios, as casas
que fizemos em dias antigos como deuses lagarto.

odiar-nos seria deixar um pedaço de nós descaído, desmanchado,
uma pedra, ou o silício entre os dentes com que rimos ainda hoje.

tudo o que foi habita-nos, entre tudo: os números, o riso, o absurdo.
hoje há pernas, braços, cabeças a percorrer o mundo depois de nós.
calcorreamos os trilhos da dialética e perdemos o amor numa adversativa.
afinal, a loucura é uma forma extrema de coerência interna.



matemática

as notas, o sumo do violoncelo a escorregar pelos ouvidos prontos.
era tanta a matemática, tão perfeita, que os corações não nos aguentaram as mãos.

acenei uma retirada lenta, os teus dedos esticavam como pastilhas.
colavam-se-me às costelas, eram carne e não havia osso.

bastou uma flor sem jeito nem cheiro para dizer adeus ou coisa que valha.

a vida gira, não é possível devolver os presentes
porque eles não habitam nas estantes, mas na memória dos olhares.

tu eras a montanha mágica, habitada por números e proporções.
eu era pequena, por isso cresci pelas teclas dos pianos,
pelos trilhos de Berlioz até ao âmago de Bartok.

não éramos corpos mas instrumentos,
havia um céu, um véu, palavras, silêncios,
oblíquos nomes que habitamos à procura da serpente.
houve músicas, letras, delicadas iluminuras.
os ventres povoam-nos com a dança da voraz-idade.

as letras procuraram-nos outras vias. o eterno fogo que queimava,
as ilhas do vácuo, as alturas de onde atiramos os nossos lenços.
tudo numa dança nua, perfeita e íngreme como uma falésia,
de coração ao céu, de cabeça ao chão, de caminho ao adeus.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

despedida


no es cómo decir adiós, sino cómo enterrar las memorias en cal.
viajo todos los días junto a tu huella. pero nada me hace desearla.
hemos sido blandos juntos, tantas plumas entre nuestros labios.
mi asiento, mi casa, mi red bajo tus manos.
no fueron tus gestos o las noches habladas.
fueron tus palabras acolchadas, breves como ducha fresca en verano.
despedí el invierno de mi pelvis con tu cielo tostado.
no fueron las trenzas o los ojos, los dedos, todo lo que fue intenso,
sino la certeza de una risa, una palabra entregada al futuro.
hoy es primavera y debo recoger pétalos caídos.
por eso te recuerdo. tu voz grave. tus manos.
procedo a guardar entre las hojas de mi libro
cada recuerdo soleado.
sé que me habitaste lejos y cerca, a ratos.
sé que quisiste regresar y era tarde.
sé que no quisiste regresar y era día.
sé que buscaste palabras redondas como mangos.
sé que quisiste ser poeta, y me calaste.
en mis manos huele aún tu sudor fresco.
es temprano, todos los perfumes huelen a ti.
no tengo cómo agradecerte el suelo que fuiste,
no tengo cómo buscar un pecho para guardar tesoros mates,
pedazos de madera, piedras naranjas, zumos pensados.
no tengo cómo agradecerte la puerta del ser junto y separado.
no tengo cómo, no tengo cuándo,
salvo sabiendo que hoy hace buen tiempo
y tú sonríes
en algún lugar,
en algún momento,
en algún tiempo iluminado.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

tobogã

A tua boca quando fala.
O quanto te escorregam fonemas no tobogã trançado.
O ponto do tom morno ou leve segundo a partitura da vida.

Nada do que fomos ou desejamos está por acontecer.
Os teus lábios sempre deitam um jacto de vento morno.

Não são os meus braços que te acolhem
mas o teu volume, que lhes é próprio.
Forma onde as pegadas tuas
se encaixam como uma rica cinderella que calça
uma sandália simples.

Colada ao presente,
olho de uma janela alta e sinto o cheiro do mar que nos deu colo,
um inverno que nos regou os corpos com insónias orquestradas.
Éramos o sono e o tempo mentia porque já termináramos
e nem era um outro início mas a sobremesa do céu.

Eram seis e os nossos olhos se abriam ao uníssono.
Eram sete e os humores desmentiam a manhã.
Eram oito e uma música e um beijo apenas
foi rabisco no fim de uma página breve e sugestiva como um perfume.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Delta

Delta como letra, fumo ou foz.
Encontrar-se nos meandros do ontem a caminho do hoje.
Tudo é circular e há quem se aproxime, quem tente,
quem detenha as horas para olhar e procurar.

Finto os fracos.
Não saibam nada de mim, nem precisem,
cheguem devagar por caminhos antigos.

Não é verdade que me esperem.
Não é verdade que persiga.

Sentas ao longe com ar de sol ao meio-dia.
Vais de saída mas ficas por perto das portas, dos olhares.
Abro janelas, apareces. Encontro o que não procuro.
Os teus cabelos espreitam por trás dos vidros baços.
Mas ouve: as minhas mãos não te recebem, há nelas fartura.
Vi-te no espelho, eras familiar. Mas isso não basta.
A novidade não me encoraja, nem me apoquenta:
a novidade não existe.
Aproximas-te como uma onça.
Mas eu cá sou terra, calada, pedra:
não podes engolir-me, ainda menos sobreviver-me.
Por isso:
Cala os olhos claros, faz o caminho.
Não há um meandro onde nos convivam os braços.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

quilombos

pelas frestas do orvalho desatamos a correr.
não nos persigas, vento, água, luz de ónix ou trovão.
desatamos os nós da via láctea, só ela nos pode arrastar pelo caminho alvo.

quem caminha não se detém porque no seu sangue não há nós, correntes
e quando as há, é só dar um salto,
descer pela humilde rua do ar
longe da fraca vontade que exercem os condenados à vida.

saímos todos à rua e gritamos: morte ao ausente, morte ao perene.
fujamos dos corpos. fechemos as portas à saída do antigo elo
que nos mantém atados aos olhos, às vísceras.

sentimos pelas mãos a descida da quente memória do ontem
quem sabe, fizemos um aceno fraco de voltar mas já estávamos ausentes,
os corpos nada garantem para além das moléculas.

estamos numa idade fraca para os gestos.
começamos tanta coisa, todas fluem por caminhos dispersos
e hoje está na hora da colheita, da mudança.

as carroças não aguentam mais o peso,
por isso as deixamos escorregar caminho abaixo.
do cimo, olhamos para elas com olhos de libertos ou quilombos,
contamos os passos para a queda, esperamos o barulho da última pedra,
do último pau.

os nossos corações estão agora livres.
somos irmãos.
cada passo que damos nos dirige ao céu de onde viemos.
nada nem ninguém nos detém nesta hora de partida
ao presente, nesta descolagem no início do futuro, esta aventura
de dragões e libélulas ao fim da tarde, ao início da manhã
do dia que já somos, não alices, mas coelhos brancos,
donos de jardins ocultos sob as árvores e os lagos.

domingo, 14 de abril de 2013

póquer

 let's sell the class.

chega gente nova e é ensaiar a estreia
essa viatura onde nos enfiamos
para encarar os outros.

devem-se calar os vícios, dizem.
devem-se esconder as mãos enquanto se contam as vitórias, dizem.
para tudo parecer acaso, longe do cálculo calado, dizem.

falar é jogar póquer

é por isso que o vício é uma fala oblíqua,
o jogo onde nos envolvemos aos poucos,
atentos aos sinais, as dúvidas, os silêncios.

é por isso que é preciso levantar-se da mesa
e embarrar os pés pela estrada dos ossos à vista
fora do enfeitado casino onde se jogam
as fortunas dos corações taimados.

é por isso que cá andamos os anjos caídos
a descobrir as cartas antes de o jogo começar;
a perseguir a ausência de lado como os loucos perseguem a lua.

não há como vencer do lado das cartas à vista.
mas também não há como vencer
sem dois a ocultar as cartas.
o vício do jogo está na incógnita
e os diabos não temos paciência para o naipe.




sexta-feira, 12 de abril de 2013

morte aos prefixos

tornamo-nos fiéis do que nos acontece,
cultuamos o passado pessoal como uma religião.

negamos os deuses quando queremos ser reis,
mas somos apenas crianças mimadas
a querer dobrar os troncos das árvores.

cada instinto que ganhamos nos torna mais afastados da verdade:
entre as nossas células cresce a matriz que nos comanda.

livre é quem desiste de ler, de escrever, de aprender.
livre é quem desiste de colecionar palavras,
quem segue pela chuva sem saber o nome das nuvens,
no rumo das horas, sem acompanhar vontades.
ficar em cama ou saltar, tanto faz,
a trela mora em nós, sob vários nomes:
compulsão à repetição, carácter, eu.

há quem tenha o vício da desconfiança,
há quem tenha o da tristeza.
há ainda quem tenha o vício do ontem.

acreditamos neles quando devíamos fugir, esquecer.
construímos quando devíamos desconversar, desconsistir.
desconseguir ser-se qualquer coisa definida. -ista.
desconverter-nos ao deus do eu a que nos prendemos por vontade própria.

é urgente dar as boas-vindas ao adeus de nós,
esquecer o que dissemos ser,
longe do eu é que nos espera a verdade.

é urgente gastar o nosso latim:
struo, cedo, prendo, scio.
voltar à essência das coisas-sem-nome.
morte aos prefixos,
longa vida ao vácuo e aos olhares.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Alva

 Para a Alva

Há as retomas.
Os silêncios, as ossadas escavadas no antigo templo dos adeuses calados.
Não há disposição para as perdas, mais.

Acontece que ser surda é descer pelas veias azuis do que não temos.
Esquecer o agora, essa tristeza. Essa raiva.
Ás vezes, eu sei, nada tem a ver o que digo com as minhas mãos que escrevem.
Não vivo a hora de caminhar pelos longos vales desérticos.
A viagem ainda não começou porque não me dei ao luxo do presente.

Mas hoje foi uma história para crianças e um beijo.
Um copo de leite. Um filme. Umas pipocas.
Houve um ontem longe
em que tu eras as pipocas, as histórias, os copos de leite.

É o tempo, está na hora de servir o hoje.
Canto enquanto se cozinha o jantar.
Desenho com os pés o caminho do sal no prato.
Junto-me a eles, e há risos, palavras.

E digo:
Quem me vai puxar das orelhas amanhã.
Vai ser um dia mais longo sem lenços,
sem cabelos, sem brigas, sem risos que estoiram.

Mas hoje foi à mesa, e agradecer.
Nada nos falta nem nos sobra,
E há o orgulho humano de um dia longínquo
teres crescido pelas minhas visceras.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

temer

Tomar as rédeas é no fundo deitar as mãos sobre o caminho trotado.
Sente-se a vontade de descer à terra, esse sucedâneo.
Fear the wind.
Tenho uma casa onde dormir à noite e mesmo assim
Há qualquer coisa no ar que me convida a temer.

Uma espada é o caminho, nunca desistir do gume.
Caminhar pelo bordo do risco não é sentir a vida, mas o medo.

Quando subo pelos rochedos não escondo as mãos.
Fiz isso uma vez e tive que comer os meus próprios ossos
para me levantar.
Tenho as unhas sujas de tanto escavar as covas do ontem.

Agora sento-me e escrevo como se soubesse alguma coisa.
Como se tivesse alguma certeza importante.
Por exemplo
a maneira ideal de fritar batatas.




premisas

 Hay que renunciar a las premisas nocivas: 
la de la presentación del yo en el mundo cotidiano 
y la del cortejo.
Don Juan Matus


No es sano ser mercader de uno mismo.
No es lento decirse y descedirse, presentarse.

He mentido.
Mis manos tejiendo hacia donde no.
Mis manos que debían tejer libertad, lejanía.
No ojos. No rayos de sol que cieguen.
La verdad llega sola a su hora.

Lo que importa ahora es hacia dónde.
He perdido tiempo venciendo, convenciendo.
He tenido ojos dentro, oídos, imágenes.

Es urgente renunciar a la presentación del yo.
Es urgente decrecer entre árboles o piedras,
callar la voz, dejar crecer la hierba sin aliento.

Compartimos cuerpos, palabras, huecos.
Los polos se buscan, pero mi cuerpo desnudo se dio la vuelta.
Y fue el fuego entonces, justo antes de la nada.
Ahora suena un silencio,
en la distancia habrá un corazón que recuerde
sombras y playas.
Manos, una voz grave, unos ojos hondos y ciertos.
No llegué a enseñarte el mar.
No entendí que tú ya lo conocías. El tuyo.

Hoy es miércoles,
y no existe otra manera de acercarse a la verdad humana
que el silencio, los pasos, las manos en movimiento.

terça-feira, 9 de abril de 2013

tempo revisitado

Eu sei que estás do outro lado.
No meio do silêncio as tuas mãos pintam numa cor vermelha, escura.
Enquanto isso, na minha sala impera a cor do mar que olhas da varanda.
Um mar onde te cresceram os olhos no entardecer das dores.
A minha janela também é verde. E cinzenta, por causa do norte.
Temos tanta coisa por pregar nas paredes. Palavras.
Entre as águas turvas não se salva quem pode, mas quem sabe.
Brinquei a deusa e perdi os anéis da pureza.
A abundância é a sina dos fortes. Do amor.
A fatalidade é o canto dos pássaros numa manhã dormida.
Acontece que te tenho entre os braços porque há silêncio
entre uma palavra e a que a segue.
Uma oitava é o que nos separa apenas;
sendo que a  nota é a mesma. A décima terceira
do alfabeto que compusemos. 
Contaste-me os dedos e eram mais de vinte e um
na forma de uma tela.
Mas eu era cega e surda, noturnamente ausente.
Depois disso, um pássaro de ferro decidiu por nós.
Agora é uma frase, um abraço, um tempo revisitado
onde as nossas mãos se cruzam no lugar do olhar avulso.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

era tão simples

Tudo é em vão.
Qual o sentido da palavra, da poesia, da arte, se não sabemos evitar a dor.
Encolher-se como um guarda-chuva no verão?
Guardar-se no armário das coisas feitas em papel maché?

Como é fácil
abrir a mão e arejar a bandeira do triunfo sobre o tempo e o espaço.
Mas é em vão se houve água a deslizar por um rosto.
Nem que seja pelo meu. Ou outros. O teu.
Há o vício do poder e esse entrança
por entre os ossos de chumbo do desejo.

Quando te olhava, para quem olhava mesmo?
Quando me falavas, para quem falavas mesmo?

Deixo tudo o que acontece estendido numa toalha de mesa
a condizer com os pratos.
A bolsa cheia de medos e desastres.
Os bolsos de lenços antigos, amarfanhados.
As mãos que não se atrevem a mexer, a sacudir,
a rebentar as costuras da prevenção.
Os dentes a morder os dedos ou os lábios, tanto faz. A insónia.

No entanto, era tudo tão simples. Tu dizias: suave.
E para mim havia um pássaro que voava perto
e poisava as unhas breves e frescas nas minhas costas arrepiadas.
Ou era tudo tão bravo. Tu dizias: trovoada.
E o mar era aos meus olhos um tsunami que aguardava
encharcar-me os ossos e os anseios.

domingo, 7 de abril de 2013

como la ceguera

Todos somos viejos.
Todos tenemos antiguos sueños que nos vencen
antes de dormir.
Sigue tus pasos, pero no te alejes de la playa.
El miedo y el demonio son lo mismo.
Derroto tu vacío porque en mi muro hoy
no llueven lamentaciones ni victorias.
En mi muro resbalan las aguas de la noche maldita,
y es suficiente.
Rechazo los pañuelos blancos,
no deseo vivir entre sábanas mojadas.
Era mi piel la que se erizaba. Eran tus ojos.
Pero viajar nos vuelve taciturnos, olvidadizos.
Nos ausenta las respuestas simples.
Al regreso,
cada pregunta guarda al menos diez imágenes que la confunden.
En todas ellas un tren parte hacia todas las imposibilidades.
Fuimos el infinito en ángulo recto,
retorcer las cuerdas del futuro para conquistar la risa que no hay.
Comíamos, pero poco.
Faltó agua o sal, o un viento favorable en la tormenta.
Los cuerpos magnéticos se atraen pero no en el mismo tono,
no en el mismo polo, no en el mismo tiempo.
Se nos fue el agua entre los dientes, entre los cuerpos.
Ahora nos miramos sin retales de vela o timón.
Sin manos, sin noches, sin ojos.
Y la nada se impone blanca y líquida.
Como la ceguera.

surco

Plantar sueños como magnolias.
Existe un lugar en el suelo donde nos encontramos
entre semilla y pólen recogido.
Estoy ciega. Busco. No busco.
Me encuentro. ¿En otras manos? No.
En los ojos cerrados, la palabra oculta.
En los recuerdos de la ola que he habitado.
No nacida en otros.
Lo que me habita nace en mi cama.
Lo que me escribe se derrama entre hojas
de lo que planté.
Fui sustento y huida: entre las hojas se cuelan por igual
el sol y la lluvia.
Ambos son necesarios para destilar el licor del ahora.
La fruta que fue ayer y nos dejó un sabor dulce.

Nuestras papilas, el espejismo. Había dulce y tanta agua.
Pero las papilas. Hoy crecemos en formas dispares
porque seguir el camino no es plantar y esperar,
sino dejar caer lo que pesa
y ser infinito en el deseo de beber y dejar ir.

No me busques en el bosque de los porqués.
Es tarde, eso fue ayer.
Sólo abro los ojos a un mar que me nutre de siempre.
No quiero saber de barcos, sino de algas, peces. Delfines.
Las olas, la mañana. Lo que se repite, pero no.
Volver adonde no he estado.
Buscar dentro del tiempo.
Los segundos no se pierden, viven su propio viaje.
Me monto en ellos, los devoro y los vomito
y siempre regreso a lo que tengo: el hoy.

Mi maleta está vacía; esto es una declaración de paz.
No sé firmar. No me importa sentarme cerca de ti o lejos de mí.

Me importa que hay ojos en todo lo que hago.
Debo cegarlos con la espada del humilde.
La puerta pequeña por donde agacharse antes de ser
el siervo de las hojas del té. No Alicia.

No me busques, que no soy.
Vivo lejos de donde se halla tu mano, tu miedo.
Un lejos que fue la última cobardía pero lo entiendo
porque olí tu miedo a las flores y a las espinas.
Una carrera en al menos dos direcciones opuestas.
Humano, dulce o duro.

Hubo tus palabras bellas como estatuas.
Breves como una camelia que se muere
esperando el olor que no tendrá.

Hubo un surco tuyo en la palma de mi mano.


escravos

Acontece a  noite a meio do dia
porque a sombra é para se mostrar ao sol:
só nele se dissolve.

Não encetamos caminhos, montanhas,
mas calados rochedos onde molhar os pés
em solitário.

O Sol canta-no as virtudes do solo:
é por ele que a água se torna pétala ou sumo de abelha.

Habitamos um nada imaginado,
uma nota esquecida numa melodia antiga
que se repete cada dia sem descanso.

É assim que nascemos ao acaso do amanhã
que repete o ontem, é assim que somos escravos
à procura de uma viagem sem regresso.

barco

Bárbaro é acordar de manhã e saber-se beijado pela mão do passado. 
Amado pelas horas antigas,
que não se arrependem do caminho andado. 
É porque tudo em nós se torna sol,
desde que abramos a porta certa.
Tudo nos olha desde o sempre enquanto espera pacientemente
o acordar do nosso escondido centro.
Cada manhã é assim a noite do ontem,
e nada há que nos faça acordar mais cedo ou mais tarde
do tempo guardado pelos deuses à espera do nosso bocejar.

Quando nos sentamos a jantar à beira dos ancestros
é que sabemos distinguir entre a bebida e as músicas sagradas
onde dançar caladamente ao sabor do tempo ido.

Cada viagem é um segredo,
cada sorriso contém uma amizade esquecida
no canto do riso ou a saudade.
Temos tudo o que precisamos, por isso é sempre cedo
para mudar a pele e seguir o caminho.

Somos dois ou muitos, não interessa quanto tempo foi o partilhado
mas até onde: há chumbos que nunca conseguem atingir o fundo
porque há fundos que terminam no hoje
e não regressam ao barco, que é efémero.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

diente de león

Entre tu semilla y mi orujo serpentea tu mano de hombre.
Te meces en dorsos entre mis pieles, mientras eres lejos como una perseida.

Crecen, como pájaros en el nido, mis sueños entre tus dedos.
Eres labios, suavemente pellizcas las bolsas donde guardo el té hirviente de tus ojos.

Pero hoy me alejo, es la hora.
Continuo por la vereda de lo simple mientras el mar casi me arranca el deseo de estar pegada a ti,
ahora, aquí, sola frente a él pero asustada y desnuda
para curar el pecho donde te guardé.

Los dos lo supimos, es cierto,
pero demasiado pronto, demasiado hondo, demasiado duro.

Dime a quién temes y te diré qué ignoras.
Dime qué bebes y te diré qué sabes.

Huéleme las pesadillas de esta noche, mi amor,
pero antes de que lleguen. Y sóplalas como un diente de león.
Recuerda cada cabello mío que cayó en tu cama,
y con ellos espera a la sucesora de mi viento.

Hónrala, ella te espera hace millones de quilómetros,
al sur del ahora.
Ámala como hiciste conmigo.
Para dar. Para ser. Sin agua ni luz.
Sin queja, sin arena, sin aliento.
Sin tiempo.

domingo, 31 de março de 2013

boca del dragón

Se derriten las venas entre la boca del dragón y su flamante lengua.

Cada papila es un horno donde se cocinan nuestras escondidas verdades,
cada deseo inconfesado, cada carencia o búsqueda,
cada hilo que descose nuestra vergüenza.

Escucho los grillos antes de tiempo, anuncian un paseo lejos del ahora,
la última mirada franca que he encontrado.
Le cantan a la veta de la madera que denuncia un año seco.
A la cicatriz en tu piel.

Nos mezclamos porque somos connotados
y sin los opuestos el mundo que conocemos se desmorona.

Nuestro linaje nos ha tornado únicos pero lejanos.
Camino por la playa. No hay arena que no haya sido piedra
antes de ser hoy un instante de placer bajo mis pies.
Es necesario aflojar las vestiduras y cerrar los ojos
para recordar que hace calor o frío
y también hay dedos al final de nuestras piernas.

Cómo nos encerramos entre las rejas, entre las cejas,
en este recóndito punto vacío donde la memoria no tiene sentido
porque no hay ayer o mañana.

Cada cosa que sucede tiene su tiempo hasta que nunca ha sido.
Cada mano que recorre un cuerpo tiene un olor, una memoria,
una medalla colgada al pecho de la belleza.

Nos tenemos mientras huimos,
y así discurren las hojas de nuestro aliento.
Del verde al rojo, al castaño, al humus. También yo creo en él, el humus.
Contiene, como un ojo, todas las posibilidades infinitas del ayer y el mañana.
Sin embargo, es un pequeño hoy cuya mayor prenda es el olor.
El olor a pertenencia, a mordida.
La casa blanca o la ropa lavada, la manzana o la piedra, el té rojo,
saben a humus.
Por eso me encierro entre los dientes y proyecto el olor al cielo de la boca:
Nada de lo que somos es cierto. La división, la cultura, la palabra,
no son más que artefactos que nos alejan de la verdad milenaria,
cantada, breve y tan escondida.

quinta-feira, 28 de março de 2013

alimañas

Desde la mirada blanda del humilde
nada pesa como las intenciones últimas que escondemos en cada silencio.
No es justo pelearse por las sobras de la felicidad, ni digno.
Pero nuestras manos se mueven solas y ajenas a quien las comanda,
y cuentan con los dedos los minutos regalados
mientras esperan su recompensa de esclavas voluntarias.
Porque entre los bosques de la palabra se esconden alimañas,
y tampoco es justo abandonarlas a su suerte.

La salvación no es el don de lo bello, sino la esperanza de luz para lo miserable.

nuestro vacío

Todos descendemos del tiempo de los esclavos.
Elegir no es la cuestión cuando es entre azotes o hambre.
No siempre sabemos contestar que no a nuestro vacío,
por eso las horas oscuras nos devoran las cavernas de la vida,
las francas siluetas con las que nos asustamos a nosotros mismos
ante la posibilidad de encontrar nuestro vacío
y precipitarnos en la verdad que eludimos encarar.

silencio

Silencio.
Pensar no es como descender por las horas frías del día que muere.
Es amanecer con ganas de lluvia torrencial en la ventana
para no ver que más alla hay mar.
Cada lágrima vieja es un paraíso perdido,
un eon invertido en la nada más ciega.
Cada vez que nos sentamos al espejo de lo antiguo
nos olvidamos de cocinar el plato del ahora.
En ese momento, nada ni nadie nos detendrá
en la carrera contra nosotros mismos.

segunda-feira, 25 de março de 2013

excalibur

Só somos amanhã, o hoje não presta, é uma coisa velha.
Como a vida pode ser velha e gasta sem se ter usado quase.

Entre nós os dois há os anos, e assim deve ser.
Dada guerreiro tem seu caminho, cada pedra seu calcanhar de destino.
Cada coisa que nos acontece ou não é uma resposta adiantada.
Tanto que nem fizeste a pergunta e eu já conheço a solução.
Não há lugar para a infância no jogo dos adultos.
Para se ser excalibur é preciso o tempero dos golpes.
O que nos ocupa é o sonho do que poderia ser.
É impossível encontrar a semente se só sonhamos com a flor perfeita.
Tanto que cada pá de carvão que alimenta este comboio afasta a chegada do vale.
Vivemos no paradoxo do amanhã, este presente não existe,
Há tantas pedras por compreender, tantas colinas por subir,
tantas montanhas por descer.

quinta-feira, 14 de março de 2013

não ter noção

belo é não ter noção. e também morto como maquinismo. servem-se por entre os ramos as quedas da fruta velha ao compasso da brisa. sentir água mole pelos braços, mãos a acenarem a caminho do ontem. habita-nos um sol enquanto teimamos em apreciar a luta pela sombra, enquanto saímos e entramos nas ondas secas do deserto, onde a beleza é a ausência da água. como em ti a beleza é o ar quieto. calo-me mas não de silêncio, calo-me de garganta calejada. assim desabam rios pelo queixo, pela substância do ontem mais incrustado, como sal que vence agarrada à rocha. flutuo por sobre a fúria, ou o medo. a doença é a intensidade. a intensidade não é o amor, mas ela própria, essa droga. por isso, belo mesmo, é não ter noção. dormir.

terça-feira, 12 de março de 2013

em vez de voar

transbordar. cada pinga é uma palavra no peso do pulmão que se rende às notas de uma viola, a uma voz que entretece os ossos enquanto demoro as decisões, mais um minuto, mais uma hora, mais um dia. nada me detém no tempo, sou eu que me torno fumo nas horas, para quê esperar, para quem, a não ser para as minhas mãos. nada há entre nós a não ser o ar que nos sacode os cabelos e os beijos longe do que podia ter sido, longe como os barcos, proximo a falésia como farol, perto de queda pelas peles que não se querem afastar mas são longínquas igualmente. perto na procura de um sorriso que não há, nem por sóis, nem por dós, nem por lás. por cá é que me fico entre os dedos contando os minutos do adeus que já nasceu, porque é tudo tão claro, mas os dentes apertam tanto. machucam, serram-se pela noite dentro porque não procuro mas também não deito nada fora. nada que me faça sentir além dos olhos, das pontas dos dedos duras e gastas de tanto rasgar as cordas da vida, as teias das asas com que me deito em vez de voar.

domingo, 10 de março de 2013

time to stop

Anyway.
Termina o que não era para se começar,
e assim é a nora, a dar a dar.

Um cão recebe os carinhos a qualquer hora
mas eu cá sou gata e dona, nada me detém mas eu própria.

Cada hora que passa é um turbilhão de demoras
como manga de água na direção do céu
de onde hão-de cair de volta em chuva breve
ou granizo sobre os vidros do telhado.
Afinal, para voltar à mesma água.

Está na hora de terminar os restos do bolo antigo,
o mesmo bolo dos mesmos domingos na casa dos avós,
ai a tradição, ai a traição. Ai a teima em sobrevoar as estrelas
que são só imitação do brilho que levamos dentro,
como a terra tem seus dois sóis mesmo que não os tenha visto.

Cada espiral que germina é uma breve inauguração de maquinice,
um crescendo na direção daidade
em que seremos apenas um conjunto de movimentos repetidos.

Time to stop. Detenho-me. Recuso-me, recuo-me, à nascença do hoje,
do já, porque não há ontem, não há outrem,
é só nós e a vontade de nascer que interessa, só o que parimos,
só o que nos brota dos pés descalços e a vontade franca,
do ventre vazio, do coração aberto.

sábado, 9 de março de 2013

linguagem

é o olhar o que nos torna unos. não o nosso, partitório, divisivo, infinitésimo até ao absurdo. cair pelo bordo dos cílios e desembocar na corrente, não da água, mas do metal com que escravizamos os outros, os sem voz, os seres de pelúcia com quem brincamos a ser deuses. nunca será suficientemente cedo para a hora do brilho no olhar de um outro ser nascido sem linguagem. calamos por eles enquanto gritamos pelos que têm voz como se nada fosse. como se o nosso estômago agradecesse o sofrimento e a podridão a que nos submetemos. estamos tão distantes. tão esquecidos.

terça-feira, 5 de março de 2013

confiança

confiança. brancas folhas do antigo caindo ao pé de um olhar húmido. caem-nos pelos costados as leves pétalas dos passados e a cada sombra semelhante, a cada palavra, a cada sotaque, o tacto breve da pelúcia antiga nos arrepia os braços, as pernas, as lembranças. algumas flores não cheiram, e por isso são menos belas, e também menos cruéis. o hálito da infância escorrega pelas veias e surpreende-nos em plena rua ou sumidos na tristeza perante um mar calado ou um rio escuro. as pétalas da confiança cheiram a belo  e não morrem, apenas pairam para nos deixarem o sabor da aprendizagem. que qualquer tristeza ou abandono vale a pena um olhar de branco oxidado, um bordo dobrado pelo tempo que passa a caminho de ser terra e de novo pelúcia. qualquer um, e mais quando há sol e o dia é frio mas confiamos na chegada de março.

domingo, 3 de março de 2013

nascença

remeter os órgãos para o lugar do outrem, trocar silêncios a cada batida até bater de frente com a nascença de todos. uma aranha habita-nos as esquinas do sono, tecendo as letras do diálogo interior que nos invade até nos prender na nossa própria teia. a história é teimosa e repete-se a si própria. por isso o maior dos presentes são o outrem e o hoje, para poder nascer sem o coração na boca, sem o cordão umbilical ao pescoço das palavras. é preciso saber nascer antes de tudo, que daí nos vêm os pesadelos e os risos inesperados. é preciso rebentar os braços em mãos e dedos a favor do vento. as velas é que aproveitam a brisa para fazer o caminho, mesmo quando sopra contra. navegar é belo, mais ainda em plena tempestade.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

nudez

ritmo. bocas sem febre ou hálito. na pulsão do já não é mais o que foi. cresce a cada ramo a árvore dos adeuses interiores, as despedidas dos vestidos velhos que não mais servem ao presente, a nudez despretenciosa que nos acaricia os braços, os ombros. ausentes dos espelhos, a queda ao interior para procurar a génese, a explosão do que esquecemos, o que nos habita caladamente o fole, o pulso dos olhos, a procura. como não te inclino assim tu não me arrumas palavras confusas. nada é mais verdade que o silêncio dos passos e as mãos. é preciso mexer-se pelas horas, pelos espaços mudos onde somos, a distância que nos faz guardar palavras grandes porque os silêncios falam numa língua de pássaros migradores e nós, entretanto, não existimos além da maré e o vento.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

não é preciso

transformar. ser o engenho da semente, o que em mim se guarda rega apenas os campos mais escondidos da floresta. regar-me o ventre, neve, leve gota de vida sobre as marés dos sonhos e o amanhã. não te procuro porque sou ao vento, e tu és um entardecer que começa. somos gente, sempre seguimos na direção de um horizonte. há um mesmo sol para todos, para as minhas sandálias gastas e o teu amanhecer florido. mesmo em diferentes árvores, mesmo no teu cabelo de cipós e água queria ser pelos contornos dos ombros uma abelha, ou talvez uma artista de circo, ou talvez uma libélula num nenúfar. não é preciso. mas o caminho é tão bom, quando é contigo.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

atrás da coelha branca

atrás da coelha branca correm os homens, as pernas nuas, os segredos mal guardados. atrás da luz correm as libélulas de asas mates. são os acabamentos da aparência, os gestos vácuos da linguagem calada, escondida, faminta. fala tanto um silêncio como uma palavra alta ou comprida, e é preciso saber interpretar os códigos do ontem que os outros carregam como fardos, uníssonos como camaradas que gritam o mote do que já não é, o cântico de um passado que não lhes pertence, da miragem construída na defesa de outrem, de ontem, e feita nossa por puro erro, por pura excentricidade. uma pedra é igual a um coelho branco; o que muda é quem os persegue.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

pá e picareta



sonhos pequenos como pães. mastigamos cada pequena conversa. caímos pela borda do ontem, uma vez e outra. mas não, não eu. não nós. sempre houve, haverá sempre rótulos, rostos, rotos. é o tempo, os calcanhares dos deuses do riso, das avelãs que comemos um dezembro qualquer sem ter noção da proximidade do solstício. todos descemos pelo tronco vazio, todos atravessamos o espelho, todos nos olhamos simetricamente contrários ao que somos, é assim o jogo da vida, a partida que nos prega cada noite o eu antes de descer ao inferno para o atravessar a caminho do céu. por isso é preciso cavar, cavar sem parar nos corredores do desejo, da lonjura, no fogo que nos afasta dos outros. nada nos é mais preciso que a pá e a picareta, as mãos calejadas e o rosto da humildade vestido a custo dia a dia, hora a hora, minuto a minuto.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

brisa

a sina de babel. o empenho nas veias juntas pelo nó dos tempos idos, o regresso ao que esquecemos ser. folhas que já foram sangue ou rio, sopro da vida, respiração do templo que habitamos nos entrefolhos das glândulas caladas. é tudo uma treta do ontem, do amanhã, dos sangues afastados, as correntes que nos atam aos ancestros. babel que foge árvore acima à procura da base, os tempos antes da erupção dos eus, o que nos afasta, o que nos faz filhos de diferentes e afastadas mães, pesos carregados por séculos antes da decisão de fausto, cavar e cavar até atingir o último degrau da cave onde se esconde a verdade, a brisa que nos atravessa à noite, quando os corpos dormem esquecidos da torre que os esmaga, e somos livres.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

blocos

veias como rios pelas mãos enquanto fazemos parte da dança universal, arrastando os troncos das trovoadas velhas rio abaixo em direção à queda da disolução última. olhos nos olhos do ontem, somos eco da palavra pronunciada antes do início. cordas da mesma orquestra maquinal seguindo o ritmo do maestro do invisível. deixamo-nos encantar com o prestidigitador que pelos bicos dos sonhos nos dirige à casa do céu enquanto nos demoramos nas convulsões da síndrome de estocolmo. trabalhamos desde o amanhã e sentados à mesa do passado lutamos contra o nosso livre arbítrio, a nossa vida, o nosso futuro livre de correntes, os nossos tornozelos soltos e dispostos para a fresca correnteza da verdade e o silêncio. vagamos pelos caminhos do regresso, perdemo-nos em florestas conhecidas. devíamos ser penugem, somos blocos.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

caçar

volátil é a carga da palavra como fundo é o olhar dos corvos ou as gazelas. caminham inseguros os pés do intruso na floresta, tornam-se pedras longas os desejos que aninham no peito do caçador. quantos de nós saímos a caçar sem dar por nada. quantos de nós fazemos da palavra uma fisga para ganhar olhos ou ouvidos distraídos. quantos de nós nos levantamos de costas aos nossos atos, calamos os alvos, enfeitamos os caminhos com curvas inúteis. aquele que segue sempre em frente bate com uma rocha ou uma faia majestosa. aquele que se encontra deitado no chão sente a vida no sangue, na areia que bate na cara e lembra que somos feitos de quedas e renascenças, de cinzas e folhas verdes. de húmus, ossos e correntes.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

no encalço

Rumam cavalos à base da montanha. Desata-se a poeira do ontem, nada nos serve para ver ao longe. Nada também nos afasta da verdade onde nos deitamos: molho de costumes armadas em carácter. Por vezes somos o centro da Terra, por vezes somos para além de nuvem. Há em mim uma fome de estrelas: caí do azul e a ele regresso cada noite. Durante o dia, o cavalo que sou ruma à base da montanha, bate-se com chuva, com areia, com rios, com urzes. Com as próprias patas. Nunca lho disse, mas o cavalo que sou ruma a uma montanha que não existe e no entanto deve ser perseguida. É no encalço dela que rebentam os sonhos nas margens do caminho, ora uma orquídea, ora um lagarto, ora uma pedra ao sol.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

sobreviva

Sabes, poeta, pelo que das palavras mana, que houve desencontros tão naturais quanto os que há entre as rochas e as marés.

O tempo não existe e ainda assim é mágico, porque tudo ajuda a apreender.

As distâncias interiores nem sempre ultrapassam as das vontades. São profundas, moram em frequências paralelas. Raramente, tocam-se. Raramente sobrevivem.

Vivemos arrastados pelo ontem, perseguidos por passados que tudo tornam ora nuvem, ora pedra.

Precisávamos de um presente e tantas vezes fazemos a vida do outrora. 

O lençóis eram lilás, flores, recém comprados para receber o amor. As intenções também.

Por isso, pela honra de ter atravessado o jardim dos deuses da palavra, sobrevivamos nos resgates bravos da vida, sobreviva a criação, o branco futuro das noites livres, a convicção sagrada da palavra que flui nas veias.

Sobreviva a visão limpa e a leveza, o sorriso ao olhar para trás e compreender os nossos erros, as nossas fraquezas, as da maré que sobe e desce, as da rocha que ainda não é praia.

Sobreviva o olhar limpo, sobreviva a poesia.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

acontece

velhos blocos de sais estagnados. fracas folhas em queda sobre os ombros do verão. acontece que para criar um grão de areia foram precisos milénios, e nós sacudimo-lo no duche sem dar por nada. acontece que os nossos ossos foram também moléculas aos trambolhões no fundo do rio ou na asa de uma águia no cimo da montanha. acontece pensarmos que somos donos de qualquer coisa enquanto tudo nos possui sem descanso, a começar pela fome, o frio, o sangue, o eu. acontece achar que somos livres enquanto somos escravos da nação, da língua, da cultura, o pensamento. acontece que só é possível libertar-se deixando-se escoar pelo ralo da vida como uma areia em agosto ou um cabelo em setembro. acontece que só assim desaparecemos da nossa própria escravidão, do peso dos sonhos perdidos, da dor dos pés e a cor da pele ou dos olhos.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

erva-cidreira

não tenho disposição para os arames. cada vez que as palavras farpadas se tornam gomos nas nossas bocas, cada vez que nascem aos borbotões as espinhas fracas, as pequenas espetadas de cores e palavras perdidas na memória, cada vez, é amanhã. ou uma pinga de água no espelho, distorção prescindível do conhecido. pertence-nos o direito ao colo e a o hálito morno das manhãs de domingo, as letras ou notas com que acordamos para a beleza de estarmos vivos, para a escolha do olho antigo que às segundas esquecemos abrir. nada nos atinge a não ser o medo de estar vivos ou mortos, a tragédia de sermos os carrascos do próprio destino e nem dar por isso. é pelos caminhos da erva-cidreira que nos crescem as mãos e os jeitos de encontrar o outro no nevoeiro azul do oceano onde descansamos as almas à noite. é nos rios de tinta e lembranças sorridentes que acontece o tacto dos corações, a irmandade escondida, o incorpóreo abraço da procura, o nós.