A Chávena de Humanidade


O Cháismo é um culto baseado na adoração do que é belo entre os factos sórdidos da existência diária. (...) É uma tentativa terna de atingir algo possível nesta coisa impossível a que chamamos vida.

El teísmo es un culto basado en la adoración de lo que es bello entre los hechos sórdidos de la existencia diaria. (...) Es un intento tierno de alcanzar algo posible en esta cosa imposible a la que llamamos vida.

Kakuzo Okakura

domingo, 28 de abril de 2013

catorze

catorze anos não cabem num poema.
é preciso destrançar o cabelo que não existe mais.
desentupir as canalizações do coração para dar passo
a um sangue vermelho como os cravos de abril.

é de noite e penteio as estradas de montanha, os rios, as casas
que fizemos em dias antigos como deuses lagarto.

odiar-nos seria deixar um pedaço de nós descaído, desmanchado,
uma pedra, ou o silício entre os dentes com que rimos ainda hoje.

tudo o que foi habita-nos, entre tudo: os números, o riso, o absurdo.
hoje há pernas, braços, cabeças a percorrer o mundo depois de nós.
calcorreamos os trilhos da dialética e perdemos o amor numa adversativa.
afinal, a loucura é uma forma extrema de coerência interna.



matemática

as notas, o sumo do violoncelo a escorregar pelos ouvidos prontos.
era tanta a matemática, tão perfeita, que os corações não nos aguentaram as mãos.

acenei uma retirada lenta, os teus dedos esticavam como pastilhas.
colavam-se-me às costelas, eram carne e não havia osso.

bastou uma flor sem jeito nem cheiro para dizer adeus ou coisa que valha.

a vida gira, não é possível devolver os presentes
porque eles não habitam nas estantes, mas na memória dos olhares.

tu eras a montanha mágica, habitada por números e proporções.
eu era pequena, por isso cresci pelas teclas dos pianos,
pelos trilhos de Berlioz até ao âmago de Bartok.

não éramos corpos mas instrumentos,
havia um céu, um véu, palavras, silêncios,
oblíquos nomes que habitamos à procura da serpente.
houve músicas, letras, delicadas iluminuras.
os ventres povoam-nos com a dança da voraz-idade.

as letras procuraram-nos outras vias. o eterno fogo que queimava,
as ilhas do vácuo, as alturas de onde atiramos os nossos lenços.
tudo numa dança nua, perfeita e íngreme como uma falésia,
de coração ao céu, de cabeça ao chão, de caminho ao adeus.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

despedida


no es cómo decir adiós, sino cómo enterrar las memorias en cal.
viajo todos los días junto a tu huella. pero nada me hace desearla.
hemos sido blandos juntos, tantas plumas entre nuestros labios.
mi asiento, mi casa, mi red bajo tus manos.
no fueron tus gestos o las noches habladas.
fueron tus palabras acolchadas, breves como ducha fresca en verano.
despedí el invierno de mi pelvis con tu cielo tostado.
no fueron las trenzas o los ojos, los dedos, todo lo que fue intenso,
sino la certeza de una risa, una palabra entregada al futuro.
hoy es primavera y debo recoger pétalos caídos.
por eso te recuerdo. tu voz grave. tus manos.
procedo a guardar entre las hojas de mi libro
cada recuerdo soleado.
sé que me habitaste lejos y cerca, a ratos.
sé que quisiste regresar y era tarde.
sé que no quisiste regresar y era día.
sé que buscaste palabras redondas como mangos.
sé que quisiste ser poeta, y me calaste.
en mis manos huele aún tu sudor fresco.
es temprano, todos los perfumes huelen a ti.
no tengo cómo agradecerte el suelo que fuiste,
no tengo cómo buscar un pecho para guardar tesoros mates,
pedazos de madera, piedras naranjas, zumos pensados.
no tengo cómo agradecerte la puerta del ser junto y separado.
no tengo cómo, no tengo cuándo,
salvo sabiendo que hoy hace buen tiempo
y tú sonríes
en algún lugar,
en algún momento,
en algún tiempo iluminado.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

tobogã

A tua boca quando fala.
O quanto te escorregam fonemas no tobogã trançado.
O ponto do tom morno ou leve segundo a partitura da vida.

Nada do que fomos ou desejamos está por acontecer.
Os teus lábios sempre deitam um jacto de vento morno.

Não são os meus braços que te acolhem
mas o teu volume, que lhes é próprio.
Forma onde as pegadas tuas
se encaixam como uma rica cinderella que calça
uma sandália simples.

Colada ao presente,
olho de uma janela alta e sinto o cheiro do mar que nos deu colo,
um inverno que nos regou os corpos com insónias orquestradas.
Éramos o sono e o tempo mentia porque já termináramos
e nem era um outro início mas a sobremesa do céu.

Eram seis e os nossos olhos se abriam ao uníssono.
Eram sete e os humores desmentiam a manhã.
Eram oito e uma música e um beijo apenas
foi rabisco no fim de uma página breve e sugestiva como um perfume.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Delta

Delta como letra, fumo ou foz.
Encontrar-se nos meandros do ontem a caminho do hoje.
Tudo é circular e há quem se aproxime, quem tente,
quem detenha as horas para olhar e procurar.

Finto os fracos.
Não saibam nada de mim, nem precisem,
cheguem devagar por caminhos antigos.

Não é verdade que me esperem.
Não é verdade que persiga.

Sentas ao longe com ar de sol ao meio-dia.
Vais de saída mas ficas por perto das portas, dos olhares.
Abro janelas, apareces. Encontro o que não procuro.
Os teus cabelos espreitam por trás dos vidros baços.
Mas ouve: as minhas mãos não te recebem, há nelas fartura.
Vi-te no espelho, eras familiar. Mas isso não basta.
A novidade não me encoraja, nem me apoquenta:
a novidade não existe.
Aproximas-te como uma onça.
Mas eu cá sou terra, calada, pedra:
não podes engolir-me, ainda menos sobreviver-me.
Por isso:
Cala os olhos claros, faz o caminho.
Não há um meandro onde nos convivam os braços.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

quilombos

pelas frestas do orvalho desatamos a correr.
não nos persigas, vento, água, luz de ónix ou trovão.
desatamos os nós da via láctea, só ela nos pode arrastar pelo caminho alvo.

quem caminha não se detém porque no seu sangue não há nós, correntes
e quando as há, é só dar um salto,
descer pela humilde rua do ar
longe da fraca vontade que exercem os condenados à vida.

saímos todos à rua e gritamos: morte ao ausente, morte ao perene.
fujamos dos corpos. fechemos as portas à saída do antigo elo
que nos mantém atados aos olhos, às vísceras.

sentimos pelas mãos a descida da quente memória do ontem
quem sabe, fizemos um aceno fraco de voltar mas já estávamos ausentes,
os corpos nada garantem para além das moléculas.

estamos numa idade fraca para os gestos.
começamos tanta coisa, todas fluem por caminhos dispersos
e hoje está na hora da colheita, da mudança.

as carroças não aguentam mais o peso,
por isso as deixamos escorregar caminho abaixo.
do cimo, olhamos para elas com olhos de libertos ou quilombos,
contamos os passos para a queda, esperamos o barulho da última pedra,
do último pau.

os nossos corações estão agora livres.
somos irmãos.
cada passo que damos nos dirige ao céu de onde viemos.
nada nem ninguém nos detém nesta hora de partida
ao presente, nesta descolagem no início do futuro, esta aventura
de dragões e libélulas ao fim da tarde, ao início da manhã
do dia que já somos, não alices, mas coelhos brancos,
donos de jardins ocultos sob as árvores e os lagos.

domingo, 14 de abril de 2013

póquer

 let's sell the class.

chega gente nova e é ensaiar a estreia
essa viatura onde nos enfiamos
para encarar os outros.

devem-se calar os vícios, dizem.
devem-se esconder as mãos enquanto se contam as vitórias, dizem.
para tudo parecer acaso, longe do cálculo calado, dizem.

falar é jogar póquer

é por isso que o vício é uma fala oblíqua,
o jogo onde nos envolvemos aos poucos,
atentos aos sinais, as dúvidas, os silêncios.

é por isso que é preciso levantar-se da mesa
e embarrar os pés pela estrada dos ossos à vista
fora do enfeitado casino onde se jogam
as fortunas dos corações taimados.

é por isso que cá andamos os anjos caídos
a descobrir as cartas antes de o jogo começar;
a perseguir a ausência de lado como os loucos perseguem a lua.

não há como vencer do lado das cartas à vista.
mas também não há como vencer
sem dois a ocultar as cartas.
o vício do jogo está na incógnita
e os diabos não temos paciência para o naipe.




sexta-feira, 12 de abril de 2013

morte aos prefixos

tornamo-nos fiéis do que nos acontece,
cultuamos o passado pessoal como uma religião.

negamos os deuses quando queremos ser reis,
mas somos apenas crianças mimadas
a querer dobrar os troncos das árvores.

cada instinto que ganhamos nos torna mais afastados da verdade:
entre as nossas células cresce a matriz que nos comanda.

livre é quem desiste de ler, de escrever, de aprender.
livre é quem desiste de colecionar palavras,
quem segue pela chuva sem saber o nome das nuvens,
no rumo das horas, sem acompanhar vontades.
ficar em cama ou saltar, tanto faz,
a trela mora em nós, sob vários nomes:
compulsão à repetição, carácter, eu.

há quem tenha o vício da desconfiança,
há quem tenha o da tristeza.
há ainda quem tenha o vício do ontem.

acreditamos neles quando devíamos fugir, esquecer.
construímos quando devíamos desconversar, desconsistir.
desconseguir ser-se qualquer coisa definida. -ista.
desconverter-nos ao deus do eu a que nos prendemos por vontade própria.

é urgente dar as boas-vindas ao adeus de nós,
esquecer o que dissemos ser,
longe do eu é que nos espera a verdade.

é urgente gastar o nosso latim:
struo, cedo, prendo, scio.
voltar à essência das coisas-sem-nome.
morte aos prefixos,
longa vida ao vácuo e aos olhares.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Alva

 Para a Alva

Há as retomas.
Os silêncios, as ossadas escavadas no antigo templo dos adeuses calados.
Não há disposição para as perdas, mais.

Acontece que ser surda é descer pelas veias azuis do que não temos.
Esquecer o agora, essa tristeza. Essa raiva.
Ás vezes, eu sei, nada tem a ver o que digo com as minhas mãos que escrevem.
Não vivo a hora de caminhar pelos longos vales desérticos.
A viagem ainda não começou porque não me dei ao luxo do presente.

Mas hoje foi uma história para crianças e um beijo.
Um copo de leite. Um filme. Umas pipocas.
Houve um ontem longe
em que tu eras as pipocas, as histórias, os copos de leite.

É o tempo, está na hora de servir o hoje.
Canto enquanto se cozinha o jantar.
Desenho com os pés o caminho do sal no prato.
Junto-me a eles, e há risos, palavras.

E digo:
Quem me vai puxar das orelhas amanhã.
Vai ser um dia mais longo sem lenços,
sem cabelos, sem brigas, sem risos que estoiram.

Mas hoje foi à mesa, e agradecer.
Nada nos falta nem nos sobra,
E há o orgulho humano de um dia longínquo
teres crescido pelas minhas visceras.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

temer

Tomar as rédeas é no fundo deitar as mãos sobre o caminho trotado.
Sente-se a vontade de descer à terra, esse sucedâneo.
Fear the wind.
Tenho uma casa onde dormir à noite e mesmo assim
Há qualquer coisa no ar que me convida a temer.

Uma espada é o caminho, nunca desistir do gume.
Caminhar pelo bordo do risco não é sentir a vida, mas o medo.

Quando subo pelos rochedos não escondo as mãos.
Fiz isso uma vez e tive que comer os meus próprios ossos
para me levantar.
Tenho as unhas sujas de tanto escavar as covas do ontem.

Agora sento-me e escrevo como se soubesse alguma coisa.
Como se tivesse alguma certeza importante.
Por exemplo
a maneira ideal de fritar batatas.




premisas

 Hay que renunciar a las premisas nocivas: 
la de la presentación del yo en el mundo cotidiano 
y la del cortejo.
Don Juan Matus


No es sano ser mercader de uno mismo.
No es lento decirse y descedirse, presentarse.

He mentido.
Mis manos tejiendo hacia donde no.
Mis manos que debían tejer libertad, lejanía.
No ojos. No rayos de sol que cieguen.
La verdad llega sola a su hora.

Lo que importa ahora es hacia dónde.
He perdido tiempo venciendo, convenciendo.
He tenido ojos dentro, oídos, imágenes.

Es urgente renunciar a la presentación del yo.
Es urgente decrecer entre árboles o piedras,
callar la voz, dejar crecer la hierba sin aliento.

Compartimos cuerpos, palabras, huecos.
Los polos se buscan, pero mi cuerpo desnudo se dio la vuelta.
Y fue el fuego entonces, justo antes de la nada.
Ahora suena un silencio,
en la distancia habrá un corazón que recuerde
sombras y playas.
Manos, una voz grave, unos ojos hondos y ciertos.
No llegué a enseñarte el mar.
No entendí que tú ya lo conocías. El tuyo.

Hoy es miércoles,
y no existe otra manera de acercarse a la verdad humana
que el silencio, los pasos, las manos en movimiento.

terça-feira, 9 de abril de 2013

tempo revisitado

Eu sei que estás do outro lado.
No meio do silêncio as tuas mãos pintam numa cor vermelha, escura.
Enquanto isso, na minha sala impera a cor do mar que olhas da varanda.
Um mar onde te cresceram os olhos no entardecer das dores.
A minha janela também é verde. E cinzenta, por causa do norte.
Temos tanta coisa por pregar nas paredes. Palavras.
Entre as águas turvas não se salva quem pode, mas quem sabe.
Brinquei a deusa e perdi os anéis da pureza.
A abundância é a sina dos fortes. Do amor.
A fatalidade é o canto dos pássaros numa manhã dormida.
Acontece que te tenho entre os braços porque há silêncio
entre uma palavra e a que a segue.
Uma oitava é o que nos separa apenas;
sendo que a  nota é a mesma. A décima terceira
do alfabeto que compusemos. 
Contaste-me os dedos e eram mais de vinte e um
na forma de uma tela.
Mas eu era cega e surda, noturnamente ausente.
Depois disso, um pássaro de ferro decidiu por nós.
Agora é uma frase, um abraço, um tempo revisitado
onde as nossas mãos se cruzam no lugar do olhar avulso.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

era tão simples

Tudo é em vão.
Qual o sentido da palavra, da poesia, da arte, se não sabemos evitar a dor.
Encolher-se como um guarda-chuva no verão?
Guardar-se no armário das coisas feitas em papel maché?

Como é fácil
abrir a mão e arejar a bandeira do triunfo sobre o tempo e o espaço.
Mas é em vão se houve água a deslizar por um rosto.
Nem que seja pelo meu. Ou outros. O teu.
Há o vício do poder e esse entrança
por entre os ossos de chumbo do desejo.

Quando te olhava, para quem olhava mesmo?
Quando me falavas, para quem falavas mesmo?

Deixo tudo o que acontece estendido numa toalha de mesa
a condizer com os pratos.
A bolsa cheia de medos e desastres.
Os bolsos de lenços antigos, amarfanhados.
As mãos que não se atrevem a mexer, a sacudir,
a rebentar as costuras da prevenção.
Os dentes a morder os dedos ou os lábios, tanto faz. A insónia.

No entanto, era tudo tão simples. Tu dizias: suave.
E para mim havia um pássaro que voava perto
e poisava as unhas breves e frescas nas minhas costas arrepiadas.
Ou era tudo tão bravo. Tu dizias: trovoada.
E o mar era aos meus olhos um tsunami que aguardava
encharcar-me os ossos e os anseios.

domingo, 7 de abril de 2013

como la ceguera

Todos somos viejos.
Todos tenemos antiguos sueños que nos vencen
antes de dormir.
Sigue tus pasos, pero no te alejes de la playa.
El miedo y el demonio son lo mismo.
Derroto tu vacío porque en mi muro hoy
no llueven lamentaciones ni victorias.
En mi muro resbalan las aguas de la noche maldita,
y es suficiente.
Rechazo los pañuelos blancos,
no deseo vivir entre sábanas mojadas.
Era mi piel la que se erizaba. Eran tus ojos.
Pero viajar nos vuelve taciturnos, olvidadizos.
Nos ausenta las respuestas simples.
Al regreso,
cada pregunta guarda al menos diez imágenes que la confunden.
En todas ellas un tren parte hacia todas las imposibilidades.
Fuimos el infinito en ángulo recto,
retorcer las cuerdas del futuro para conquistar la risa que no hay.
Comíamos, pero poco.
Faltó agua o sal, o un viento favorable en la tormenta.
Los cuerpos magnéticos se atraen pero no en el mismo tono,
no en el mismo polo, no en el mismo tiempo.
Se nos fue el agua entre los dientes, entre los cuerpos.
Ahora nos miramos sin retales de vela o timón.
Sin manos, sin noches, sin ojos.
Y la nada se impone blanca y líquida.
Como la ceguera.

surco

Plantar sueños como magnolias.
Existe un lugar en el suelo donde nos encontramos
entre semilla y pólen recogido.
Estoy ciega. Busco. No busco.
Me encuentro. ¿En otras manos? No.
En los ojos cerrados, la palabra oculta.
En los recuerdos de la ola que he habitado.
No nacida en otros.
Lo que me habita nace en mi cama.
Lo que me escribe se derrama entre hojas
de lo que planté.
Fui sustento y huida: entre las hojas se cuelan por igual
el sol y la lluvia.
Ambos son necesarios para destilar el licor del ahora.
La fruta que fue ayer y nos dejó un sabor dulce.

Nuestras papilas, el espejismo. Había dulce y tanta agua.
Pero las papilas. Hoy crecemos en formas dispares
porque seguir el camino no es plantar y esperar,
sino dejar caer lo que pesa
y ser infinito en el deseo de beber y dejar ir.

No me busques en el bosque de los porqués.
Es tarde, eso fue ayer.
Sólo abro los ojos a un mar que me nutre de siempre.
No quiero saber de barcos, sino de algas, peces. Delfines.
Las olas, la mañana. Lo que se repite, pero no.
Volver adonde no he estado.
Buscar dentro del tiempo.
Los segundos no se pierden, viven su propio viaje.
Me monto en ellos, los devoro y los vomito
y siempre regreso a lo que tengo: el hoy.

Mi maleta está vacía; esto es una declaración de paz.
No sé firmar. No me importa sentarme cerca de ti o lejos de mí.

Me importa que hay ojos en todo lo que hago.
Debo cegarlos con la espada del humilde.
La puerta pequeña por donde agacharse antes de ser
el siervo de las hojas del té. No Alicia.

No me busques, que no soy.
Vivo lejos de donde se halla tu mano, tu miedo.
Un lejos que fue la última cobardía pero lo entiendo
porque olí tu miedo a las flores y a las espinas.
Una carrera en al menos dos direcciones opuestas.
Humano, dulce o duro.

Hubo tus palabras bellas como estatuas.
Breves como una camelia que se muere
esperando el olor que no tendrá.

Hubo un surco tuyo en la palma de mi mano.


escravos

Acontece a  noite a meio do dia
porque a sombra é para se mostrar ao sol:
só nele se dissolve.

Não encetamos caminhos, montanhas,
mas calados rochedos onde molhar os pés
em solitário.

O Sol canta-no as virtudes do solo:
é por ele que a água se torna pétala ou sumo de abelha.

Habitamos um nada imaginado,
uma nota esquecida numa melodia antiga
que se repete cada dia sem descanso.

É assim que nascemos ao acaso do amanhã
que repete o ontem, é assim que somos escravos
à procura de uma viagem sem regresso.

barco

Bárbaro é acordar de manhã e saber-se beijado pela mão do passado. 
Amado pelas horas antigas,
que não se arrependem do caminho andado. 
É porque tudo em nós se torna sol,
desde que abramos a porta certa.
Tudo nos olha desde o sempre enquanto espera pacientemente
o acordar do nosso escondido centro.
Cada manhã é assim a noite do ontem,
e nada há que nos faça acordar mais cedo ou mais tarde
do tempo guardado pelos deuses à espera do nosso bocejar.

Quando nos sentamos a jantar à beira dos ancestros
é que sabemos distinguir entre a bebida e as músicas sagradas
onde dançar caladamente ao sabor do tempo ido.

Cada viagem é um segredo,
cada sorriso contém uma amizade esquecida
no canto do riso ou a saudade.
Temos tudo o que precisamos, por isso é sempre cedo
para mudar a pele e seguir o caminho.

Somos dois ou muitos, não interessa quanto tempo foi o partilhado
mas até onde: há chumbos que nunca conseguem atingir o fundo
porque há fundos que terminam no hoje
e não regressam ao barco, que é efémero.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

diente de león

Entre tu semilla y mi orujo serpentea tu mano de hombre.
Te meces en dorsos entre mis pieles, mientras eres lejos como una perseida.

Crecen, como pájaros en el nido, mis sueños entre tus dedos.
Eres labios, suavemente pellizcas las bolsas donde guardo el té hirviente de tus ojos.

Pero hoy me alejo, es la hora.
Continuo por la vereda de lo simple mientras el mar casi me arranca el deseo de estar pegada a ti,
ahora, aquí, sola frente a él pero asustada y desnuda
para curar el pecho donde te guardé.

Los dos lo supimos, es cierto,
pero demasiado pronto, demasiado hondo, demasiado duro.

Dime a quién temes y te diré qué ignoras.
Dime qué bebes y te diré qué sabes.

Huéleme las pesadillas de esta noche, mi amor,
pero antes de que lleguen. Y sóplalas como un diente de león.
Recuerda cada cabello mío que cayó en tu cama,
y con ellos espera a la sucesora de mi viento.

Hónrala, ella te espera hace millones de quilómetros,
al sur del ahora.
Ámala como hiciste conmigo.
Para dar. Para ser. Sin agua ni luz.
Sin queja, sin arena, sin aliento.
Sin tiempo.